Parece evidente que a norma-travão sobre o orçamento, definida no número 2 do artigo 167º da Constituição, precisa de ser clarificada, para se tornar evidente o que está vedado por esta legislação. Se “Os Deputados (…) não podem apresentar projectos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam (…) aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado”, então o presidente da AR nunca deveria ter permitido que essas propostas tivessem sido aceites, muito menos votadas.

Tem sido aventado que o desrespeito por esta norma-travão por parte da oposição seria a causa principal porque Portugal teria sido forçado a pedir ajuda externa já por três vezes desde 1974 e ter tido – e ter – graves problemas orçamentais.

Esta argumentação começa por não ter lógica: se a Constituição não o permite, então não terá sido o seu desrespeito, muito menos o incumprimento reiterado, que terá gerado os nossos problemas.

Depois, essa argumentação falta repetidamente à verdade. Os problemas que nos conduziram aos braços do FMI em 1978 e 1983 tinham a ver, sobretudo, com as contas externas e não com as contas públicas. Digamos que a origem principal terá estado numa política cambial errada, que não compensou a nossa inflação excessiva, decorrente de uma política orçamental laxista. Assim, as fortes desvalorizações exigidas pelo FMI resolveram o desequilíbrio externo, num processo muito mais rápido do que os credores externos anteciparam. Como é evidente, não foi a oposição que tinha decidido a política cambial anterior.

A adesão ao euro, em 1999, com a perda do instrumento cambial, é que deu às contas públicas o protagonismo de política económica, que antes não tinham.

Logo em 2001, o governo quase maioritário de Guterres desrespeitou a regra dos 3% do PIB sobre o saldo orçamental, com défice de quase 5% do PIB. O governo português estreou, assim, o desrespeito por um dos critérios de Maastricht, com duas peculiaridades: enganou os nossos parceiros, que tentou convencer de que o défice estaria apenas em torno de 1% do PIB; não tinha nenhuma desculpa económica para ter um problema orçamental, já que a taxa de desemprego estava muito baixa.

O problema seguinte foi gerado por Sócrates, que, num primeiro mandato, governou com maioria absoluta, pelo que a oposição não pode ser responsabilizada pelo que aconteceu. O défice público de 2009 foi – demasiado tarde – revelado como tendo sido 10% do PIB, de novo também escondido de todos, em particular dos eleitores portugueses que foram chamados às urnas em Outubro desse ano.

Nesse mesmo mês, houve eleições na Grécia, que deram início à crise do euro, quando se descobriu um défice público muitíssimo superior ao anunciado, um processo com demasiadas similitudes ao nosso.

Pouco mais de seis meses depois, Portugal perdeu acesso ao financiamento externo, excepto através do BCE, e Sócrates arrastou o país penosamente durante mais um ano até pedir ajuda externa, faz agora dez anos. Ou seja, foram sempre os governos os responsáveis pelo descalabro orçamental.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.