A transição para um novo governo de direita começou com o pé esquerdo. A estabilidade prometida por Luís Montenegro ruiu logo nas primeiras 24 horas da tomada de posse da nova Assembleia da República (AR).
O fracasso no primeiro dia da eleição de Aguiar Branco como presidente da AR, deixou claro que o bipartidarismo terminou, para dar lugar a forças de bloqueio que colocam os interesses do país em último lugar.
Montenegro subestimou seriamente a vontade de André Ventura em montar um circo mediático e vergar a AD aos seus caprichos e ditames. Também subestimou seriamente os egos dos seus parceiros de coligação, que não se sentiram incluídos nas conversas dos bastidores.
Na verdade, é caso para dizer se não terá subestimado seriamente a sua capacidade para ser primeiro-ministro e oferecer uma solução governativa estável para os próximos quatro anos.
Foi atropelado pela sua inépcia e, no momento em que escrevo esta crónica, está anunciada uma reunião entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos para desbloquear o impasse em torno da Presidência da Assembleia da República.
Espremido contra a parede pela extrema-direita que o deseja sufocar num abraço de urso, até agora Montenegro não revelou ter o estofo necessário para enfrentar o que tem de enfrentar. O primeiro dia da legislatura não augura nada de bom para a governação. As expectativas são muito baixas na frente doméstica, em que será essencial construir pontes em áreas críticas como a saúde, educação e habitação.
O presente contexto global também não tolera lideranças fracas. A guerra na Ucrânia e Rússia pode escalar para a Europa, e o eixo dominado pela Rússia, China e outras potências está a minar governos democráticos em todo o mundo com táticas de desinformação que estão a semear divisão entre a população e a permitir a ascensão de demagogos.
A guerra no Médio Oriente continua com um genocídio a decorrer à vista de todos, nos territórios palestinianos, e a extrema-direita israelita sem qualquer travão. O terrorismo fundamentalista islâmico nunca desapareceu e irá continuar a espalhar o medo.
O truque em relação aos bons impostores é “fake it till you make it”, mas aquilo a que assistimos na tomada de posse foi a líderes de bancada à direita imersos em jogos de poder mesquinhos, enquanto atiram culpas para o ar, sem se verem ao espelho.
A direita recebeu um mandato para governar e, por isso, é sua obrigação procurar uma governação estável, que saiba lidar com as razões de tantos votos de protesto nas últimas eleições, e sem ceder à tentação fácil de culpar a oposição de esquerda por todos os males.
