Não foi há muitos anos que Portugal conheceu um drama provocado por um processo de intervenção da troika que aprofundou uma crise estrutural crónica. Nos últimos tempos, inverteu-se caminho e deram-se passos para uma recuperação económica e social, embora não da forma célere e determinada que era fundamental.
Essa recuperação tem sido lenta e não dotou o país da robustez necessária para enfrentar a nova crise provocada pela pandemia de Covid-19. Hoje, vemo-nos novamente mergulhados numa crise social significativa. Se aprendemos algo com os erros do passado, é evidente que a austeridade só poderia trazer mais problemas. Mais do que nunca, exige-se um Estado interventivo e determinado nos investimentos necessários, que não coloque a cegueira do défice à frente das respostas que os cidadãos precisam e que não deixe ninguém para trás desprotegido.
Desde logo, saltam à vista três áreas em que é preciso dar resposta às exigências que se colocam – transportes, saúde e soberania –, sem prejuízo de outras matérias também fundamentais.
Em tempo de confinamento houve uma modificação muito significativa na vida diária da generalidade das pessoas. Os índices de poluição baixaram consideravelmente, sobretudo porque as deslocações pendulares deixaram de se realizar massivamente, o que comprova a necessidade de uma aposta real numa boa rede de transportes públicos, a custos comportáveis para os utentes, que desmobilize os cidadãos da utilização diária do automóvel particular, ajudando assim à descarbonização do país e à redução das causas das alterações climáticas. Sem mais e melhores condições, nada vai mudar.
Também existe hoje um reconhecimento mais generalizado da importância do Serviço Nacional de Saúde e de todos os seus profissionais. O SNS é determinante para garantir o direito à saúde de todos e demonstrou ser o pilar em tempo de crise, quando as unidades privadas fechavam a porta ao reforço de resposta que tinham capacidade de dar e agora até cobram aos utentes pelos equipamentos de protecção.
Este surto epidémico veio demonstrar igualmente a importância de os países ganharem robustez em termos de soberania alimentar, porque é determinante para reduzir a pegada ecológica, mas também porque, em tempos de crise de abastecimento alimentar, como aquele que uma pandemia pode causar, é preciso que os países estejam em condições de assegurar respostas aos cidadãos.
Por outro lado, esta crise demonstrou a fragilidade de um crescimento económico baseado essencialmente sobre o turismo e que descurou a produção de bens diversificados, não só a nível alimentar, mas também de bens de saúde como se viu com a questão das máscaras. Também o comércio local, muitas vezes votado ao abandono, foi determinante para o abastecimento das populações confinadas às suas residências e ao seu bairro, prestando um serviço de proximidade insubstituível.
Por muito emotivos que sejam os aplausos, os arco-íris e uma certa romantização da quarentena, que, na maioria dos casos não é a realidade, só vai ficar tudo bem se mudarmos muito do que estava mal na dita normalidade que estava instalada pré-Covid-19.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.