Nas últimas décadas, o Sul Global consolidou-se como um ator fundamental na política internacional, desafiando a hegemonia ocidental e acelerando a transição para um sistema multipolar. O fortalecimento de blocos como os BRICS reflete a busca por maior autonomia econômica e política, questionando a centralidade das instituições globais tradicionais dominadas pelo Ocidente. No entanto, essa ascensão não ocorre sem desafios, tornando o cenário geopolítico mais dinâmico e imprevisível.

Historicamente marginalizado na governança global, o Sul Global passou a desempenhar um papel central na economia mundial. China e Índia emergiram como motores do crescimento global, enquanto Brasil e Indonésia se destacam na exportação de commodities estratégicas.

O avanço tecnológico, o fortalecimento do consumo interno e a criação de instituições financeiras alternativas, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) dos BRICS, ampliam o protagonismo desses países. A recente expansão do bloco, incorporando nações como Egito, Irão e Emirados Árabes Unidos, demonstra sua crescente influência na redefinição da geopolítica global.

Enquanto isso, os EUA oscilam entre a defesa da unipolaridade e a aceitação de um multipolaríssimo de conveniência, adaptando seu discurso conforme seus interesses estratégicos. Quando necessário, Washington busca aliados no Sul Global para legitimar suas posições, sem abrir mão de sua supremacia global. Essa postura ambígua gera desgaste internacional, pois evidencia a resistência dos EUA em aceitar uma ordem verdadeiramente multipolar. A instrumentalização seletiva das normas internacionais e as sanções unilaterais reforçam a percepção de que o sistema atual é assimétrico e favorável ao Ocidente.

A relação da Europa com o Sul Global reflete tanto oportunidades quanto desafios. A União Europeia (UE) busca estreitar laços comerciais e políticos com esses países para reduzir sua dependência dos EUA e diversificar suas fontes de matérias-primas e mercados consumidores. Contudo, enfrenta a crescente presença da China e da Rússia em regiões estratégicas como a África e a América Latina. Além disso, as diferenças em valores políticos, especialmente no que tange à democracia e aos direitos humanos, criam tensões nas negociações, limitando uma cooperação mais profunda.

Diante desse novo cenário, a Europa poderia desempenhar um papel estratégico na mediação entre o Ocidente e o Sul Global, promovendo uma governança internacional mais equilibrada. Em vez de insistir em um modelo de superioridade normativa, a UE poderia adotar uma abordagem mais pragmática e colaborativa, fortalecendo parcerias em inovação, transição energética e infraestrutura sustentável.

O aprofundamento do diálogo com países emergentes e o incentivo à reforma das instituições multilaterais seriam passos fundamentais para evitar a marginalização europeia nesse novo equilíbrio de poder.

Apesar de sua crescente influência, o Sul Global enfrenta obstáculos significativos ao assumir maiores responsabilidades internacionais. A fragmentação interna, as desigualdades econômicas e as instabilidades políticas dificultam a formulação de uma agenda comum e a consolidação de um modelo de governança mais eficaz. O verdadeiro teste para essa ascensão será a capacidade de traduzir seu peso econômico e populacional em influência política sustentável e coesa, evitando os erros do passado e promovendo um sistema mais inclusivo.

A transição para um mundo multipolar não implica apenas uma redistribuição de poder, exige também um compromisso real com a responsabilidade coletiva. Como dizia Confúcio: “Aquele que deseja garantir o bem dos outros já assegurou o seu próprio bem.” Para consolidar sua posição na nova ordem mundial, os países do Sul Global devem fortalecer suas economias e assumir um papel mais ativo na solução dos desafios globais.