As eleições nos Estados Unidos resultaram na vitória inequívoca de uma corrente que proclama dois princípios fundamentais:

  • “America First” – a América deve concentrar-se nos seus interesses e intervir na cena internacional apenas na medida em que sinta que esses interesses estão a ser negativamente afectados.
  • “Make America Great Again” – alterar as regras de funcionamento da economia e da sociedade norte-americanas através da recuperação da produção interna em detrimento das importações, com subvalorização de critérios de organização da economia que encarecem a produção interna (sustentabilidade, protecção ambiental…), e da facilidade de circulação de bens e capitais que contribuíram para a deslocação de investimentos e produção para outros locais, com a consequente perda de postos de trabalho, sobretudo, nos sectores industriais.

Esta postura não é nova. O proteccionismo económico e o desinteresse pelo envolvimento em problemas que se desenvolvem na cena internacional foram, durante muito tempo, princípios fundamentais de que os Estados Unidos só se desviaram a partir da Segunda Guerra Mundial, e que nunca foram esquecidos. Devemos, aliás, reconhecer que essa postura é legítima.

Mas a firmeza com que Donald Trump (e por arrastamento o Partido Republicano) afirma a sua visão sobre o posicionamento dos Estados Unidos no mundo, indicia que o quadro definidor da política internacional à escala global estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial tem os seus dias severamente contados, se é que, na prática, não terminou já.

Trump tem uma visão confrontacional e interessada da política internacional. Não acredita em alianças – ou melhor, acredita, desde que lhe permitam alcançar os seus próprios fins. Neste quadro, a NATO não lhe faz sentido porque a vê como tendo como objecto a defesa da Europa.

Ora, Trump percebe que o centro de gravidade político e económico do planeta se desviou do Atlântico para o Pacífico e Índico, como resultado do crescimento do poder económico e militar da Índia e da China (e outros), que têm vindo a adquirir peso no contexto global. A Europa, que nunca hostilizará militarmente os EUA, deixou de ter valor estratégico para Trump, pelo que tenderá a desvalorizar a NATO, que vê como um peso e não como uma fonte de vantagens.

Adicionalmente, Trump aceita que a Rússia tem historicamente certos interesses estratégicos sobre, pelo menos, certas zonas da Europa. Relembremos o que disse sobre a hipótese de assegurar a defesa de membros da NATO que não tenham as suas contribuições em dia – “que a Rússia faça deles o que quiser”.

Isto para a Europa é dramático. Os Estados Unidos deixarão de ser um aliado de confiança e a Europa terá de sobreviver nesta nova ordem mundial multilateral, em que vários países com dimensão geográfica ou peso económico e militar suficiente se confrontarão directamente, com alianças tácticas momentâneas, procurando um papel de supremacia regional – já que a nível global nenhum deles o conseguirá, porque todos os outros serão seus opositores.

A Europa terá  de “crescer” para ser um desses grandes actores. O que significa avançar para a construção de um modelo em que as responsabilidades de política externa e defesa sejam transferidas para um sistema comum e centralizado. O que a obrigará a ultrapassar o modelo da Europa das Nações, que terá de ser substituído por um modelo federal. Difícil, sim, mas inevitável.

Ou, dentro de menos de 50 anos, os jovens europeus estarão nas escolas a ler Tolstoi, Dostoievski e Pushkin no original.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.