Em Portugal o mês de Setembro, para além de ser a época das vindimas, costuma ser marcado pela chamada “rentrée” política, em que os responsáveis políticos apresentam os seus planos e programas para o ano parlamentar que se avizinha. É uma altura particularmente rica em pronunciamentos, anúncios e especulações sobre o que se vai passar relativamente a momentos importantes do calendário político, sobretudo a discussão do Orçamento do Estado.

Tinha a esperança de que este Governo, que anunciou em grandes parangonas o objectivo de promover uma profunda reforma do Estado, para o tornar mais transparente, eficaz e eficiente, tivesse a visão (e a coragem) de promover um debate nacional para obter um consenso o mais alargado possível sobre o que o Estado deve ser e fazer. É que parece ser cada vez mais consensual a noção de que o Estado se veio a agigantar progressivamente, intervindo e regulando, ocupando cada vez mais espaço na vida do País. Mas, por vezes, parece que esse crescimento do Estado e das suas funções não foi determinado por um plano coerente, mas sim por necessidades casuísticas de acorrer a situação concretas e problemas reais, para o que são tomadas medidas e criadas instituições ao nível central, regional e local.

O problema, para mim, é que não se faz uma avaliação correcta da necessidade de permanência dessas medidas e instituições, e acabamos por nos habituar a elas e por as considerar como elementos permanentes do nosso quadro administrativo.

É assim que o Estado cresce. Mas um Estado cada vez maior tem também uma cada vez maior necessidade de obter os recursos de que necessita para agir – e se eternizar, independentemente de as necessidades que originaram esse crescimento se manterem ou não. É este o vício original do processo de preparação e discussão do Orçamento do Estado – num quadro em que se sabe que os recursos disponíveis são limitados, dota-se o Estado das receitas necessárias para garantir que os diversos organismos e instituições que o compõem funcionam e cumprem as missões que lhes são confiadas.

Mas não se procura saber se essas missões se continuam a justificar, ou se deveriam pura e simplesmente ser terminadas, ou se poderiam ser transferidas para o sector privado, que seria responsável por encontrar as soluções para o seu financiamento através da prestação de serviços.

Claro que existe o argumento de que o sector privado actua com finalidade lucrativa, e que estaríamos a converter actividades que actualmente são consideradas como de âmbito social em negócio. Não vejo aí problema se o serviço prestado for melhor, continuando o Estado a ter uma função reguladora e correctora de assimetrias, através da transferência de recursos por via fiscal para criar condições para que as famílias e os particulares economicamente mais frágeis possam recorrer a esses serviços.

E não esqueçamos que é perfeitamente possível que se considere que o Estado peca por omissão em certos sectores ou actividades onde não está presente, mas devia estar.

Como disse, tinha esperança de que este Governo desse início a uma discussão sobre este tema. Porém, até ver, aquilo que está a ser propagandisticamente anunciado como uma “Reforma do Estado” é apenas uma reorganização administrativa. Que tem efeitos positivos, claro, como sejam a simplificação processual, o aumento da transparência e a redução da burocracia. Isso resultará em melhores serviços e maior eficiência. Mas é, possivelmente, uma oportunidade perdida.