Março é um mês que no nosso imaginário ressoa a primavera, com dias mais longos e o sol a aquecer-nos. Também nos lembra as chuvas repentinas, as manhãs de inverno e as tardes de verão, como diz o ditado popular. Igualmente, as roupas mais leves, com cores alegres e as crianças a irem para os parques brincar. Contudo, este ano a primavera parece ter chegado cedo demais. Os parques e as praias já se encheram nos fins de semana de fevereiro. A primavera antecipou-se. Trouxe o canto dos pássaros e uma seca prolongada de que se evita falar, apesar de as alterações climáticas estarem cada vez mais na agenda pública.
E é neste estranho país que vivemos. Orgulhoso do seu sol, evita assuntos como a falta de água. Participativo em todos os movimentos internacionais, coloca o tema das mudanças climáticas na agenda, mas apenas quando este é pretexto para alguma contestação social. Nada melhor que uma manifestação ou um protesto para aflorar o tema, sem, no entanto, o aprofundar. Contudo, a mudança climática é um assunto complexo que se liga a tantos outros que se estendem desde a pobreza, a dependência das sociedades modernas das fontes energéticas, os modelos de consumo, a gestão dos ecossistemas… e tantos outros, numa lista quase infindável. Março trouxe essa agitação, soprada por ventos internacionais e um protesto juvenil saiu às ruas, clamando por medidas contra a mudança climática.
Mudar o clima
Os jovens saíram à rua para mudar o clima de continuidade das políticas ambientais, que só poderão ser resolvidas com ações nacionais e consensos internacionais. A mudança climática não pode ser encarada nem tratada como um facto isolado. Tem de ser enquadrada nas mudanças económicas, sociais e culturais que vêm a acontecer desde os anos 50 do século XX, que lançaram o planeta numa industrialização universalizada e acelerada, mesmo em contextos ecossistémicos frágeis. E também nas mudanças de consumo em várias geografias universais. O ritmo do aumento do consumo e da depredação ambiental chegou a um nível insustentável, por isso medidas de contenção ou mitigação e outras de preparação têm de ser tomadas em consideração. As primeiras são ações que visam o controlo dos agentes que provocam a mudança climática e as segundas são iniciativas destinadas à proteção dos ecossistemas e populações mais expostas às consequências da mudança climática.
A jovem Greta Thunberg tornou-se icónica na luta contra a mudança climática, alertando para a responsabilidade das políticas do presente nas mudanças climáticas que já hoje se observam. A voz de Greta sensibilizou muitos atores sociais e mediáticos e teve como resultado a sua nomeação para Prémio Nobel e a mobilização de jovens em todo o mundo para a questão climática.
Todavia, a grande questão encontra-se no seguinte: estarão os indivíduos que foram sensibilizados pela iniciativa de Greta e os jovens que foram mobilizados pelo seu grito pelo planeta prontos para mudar os seus estilos de vida? Porque creio que Greta nos alerta para uma questão essencial que reside na diferença entre falar-se de um assunto e ter uma teoria em seu torno e agir para a sua solução. A jovem levanta uma questão essencial que é a diferença entre as ideias e a práxis que políticos e sociedade têm seguido. No fundo, a novidade do alerta de Greta é o facto de ter sido uma jovem, cujo futuro está comprometido pela ação presente, a tomar a palavra e a dar o exemplo através da sua própria conduta.
Antes de Greta, um outro Prémio Nobel, Mohan Munashinghe, atualmente vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, que esta semana esteve em Portugal, alertou para a necessidade de uma ação concertada que permitisse que as ideias e práxis em torno destas questões se aproximassem. E, mais do que isso, preveniu que a democraticidade das decisões em torno das questões que mais diretamente se ligam à mudança climática não são o garante de boas práticas, apesar de garantirem a liberdade de ação a indivíduos e a instituições coletivas.
Tanto Greta como Mohan, enquanto ativistas, são vozes que procuram influenciar mais as práticas do que as teorias ou o simples debate. Em fases diferentes das suas vidas, dedicaram o seu tempo a defender os seus ideais que passam também pelo seu exemplo enquanto cidadãos deste planeta.
Março em Portugal, com uma primavera iniciada antes de tempo, é um dos cenários mais perfeitos para que mais jovens e menos jovens protestem a favor da contenção da mudança climática, solicitando novos comportamentos e perspetivas sobre o problema. Infelizmente, muitos persistem em considerar que os protestos juvenis são uma espécie de folclore que permite faltar às aulas, o que desvaloriza o importante papel que estes jovens têm no presente e no futuro. Outros orgulham-se dos protestos juvenis, porque imaginam que são apenas isso e que as suas reivindicações não contribuirão para as decisões tomadas no parlamento.
Mas a questão persiste, até que ponto estamos, jovens e menos jovens, prontos para a alteração das nossas atitudes? Até que ponto levaremos o nosso protesto e a nossa reivindicação? Até que ponto poderemos ir para além dos protestos e devolver a Março a primavera no tempo certo?
Mudar a vida
Para devolver a primavera a Março é, então, preciso mudar a vida. Mas para que essa primavera floresça, é preciso garantir a todas as Gretas deste mundo que possam ativamente participar na construção do mundo que desejam. Por isso, Março foi e é também o mês em que se assinala o Dia Internacional da Mulher. Foi, também, tempo de protesto contra a violência doméstica e a favor da igualdade de género em todo o mundo.
Aqui, em vez de uma primavera antecipada, estamos em presença de uma primavera adiada. Portugal apresenta números assustadores de violência doméstica e uma complacência para com a desigualdade de género, atípica para os tempos atuais. O debate em torno destas questões está na agenda pública, mas estaremos a mudar a vida? Quando se lê em alguma imprensa periódica críticas ao feminismo, vindas, por vezes, de mulheres que desconhecem o simples facto de hoje poderem escrever livremente para o público porque houve movimentos feministas, percebemos que não chega o debate.
É preciso explicar que sem sociedades igualitárias nos direitos e deveres, estaremos a perder uma parte da nossa criatividade e capacidade para mudar. Jovens e mulheres não são seres menores ou com menos vontade. São aqueles que muitos movimentos feministas protegeram, quando salvaguardaram o papel das mulheres enquanto mães, com direito sobre os seus filhos. Neste mês de Março e para mudar a vida, jovens, mulheres e homens juntaram-se em torno destes dois protestos que aquecem uma primavera seca que ameaça um verão difícil.
Afinal, estes dois combates, parecendo distantes, apresentam uma mesma característica, são movimentos internacionais, e enfrentam a mesma dificuldade: sociedades cujos modelos foram pensados para salvaguardar o topo da hierarquia social. Quer isto dizer modelos sociais que foram gizados para proteger o statu quo dos que mandam sobre os que são mandados. Contudo, os factos com os quais essa mesma sociedade tem de se confrontar obrigam à transformação de comportamentos. Essa é a esperança deste Março em tons primaveris que protesta, procurando alterar o mundo. Chegou o momento em que não basta legislar nacional e internacionalmente em favor do ambiente ou da igualdade de género. É necessário agir. E para agir é preciso que se questionem as práticas seguidas até aqui e se exija mudança pelo exemplo, em que cada um de nós possa contribuir para a solução e não para o problema.
Como Mohan Munashinghe muito bem referiu, é necessário que sociedade civil, empresas e governos procurem soluções. Significa que é urgente a procura de consensos para problemas que não são apenas de um país. São problemas partilhados por várias sociedades e cuja resposta consertada permitirá resultados concretos que poderão conduzir à mudança. Greta Thunberg é, pois, um excelente símbolo dessa luta pelo reconhecimento do papel dos jovens e das mulheres enquanto atores sociais, com direito a exigir que as primaveras antecipadas ou as primaveras adiadas venham no tempo certo. Só quando todos tiverem o direito de participação, se construirão sociedades verdadeiramente democráticas.
Estes movimentos transnacionais, embora incarnando os problemas existentes especificamente no seio de cada sociedade, demonstram como as visões redutoras e nacionalistas estão esgotadas. E nestes mesmos movimentos se poderão encontrar respostas contra os nacionalismos exacerbados que colocam em causa a paz social e entre países. Se os governos, parlamentos e instituições da sociedade civil cooperarem, talvez consigam contrapor a tendência para o extremismo baseado em ideias de nacionalismo. Para isso é preciso substituir os discursos por ações, coerentes com as reivindicações que têm saído à rua. Estes não são problemas daqui, são problemas de agora.