Muitas vezes dou por mim a interrogar-me sobre o que torna a identidade de alguém tão ligada a um país no qual nunca viveu ou cresceu. É uma questão que assombra tantos filhos de imigrantes ou refugiados que cresceram a celebrar a cultura (e a língua) dos pais. Como filha de imigrantes, dou por mim a refletir, com frequência, nessa questão e só me ocorre uma resposta simples. É o amor que os nossos pais nos transmitem pela sua terra de origem que nos faz criar um laço inquebrável.

No meu caso, é verdade que o chamamento do Líbano é irresistível para uma diáspora de milhões espalhada pelo mundo por várias gerações. Muitos foram forçados a partir devido a perseguições religiosas, às várias guerras ou por razões económicas. Nesta terra tão pequena, que já sentiu na pele demasiadas atrocidades, estas persistem.

Dívida muito elevada, corrupção em larga escala nas instituições governamentais, inflação descontrolada, e o facto de nenhuma comunidade escapar aos efeitos dessa corrupção generalizada da elite, parecem ter levado a um desgaste sem precedentes do povo libanês. Durante muito tempo, dominaram o desânimo, a falta de esperança, uma raiva controlada a pulsar na superfície, que finalmente cedeu e se transformou num protesto nacional no início de 2020, trazendo de volta a determinação em quebrarem os grilhões da velha política corrupta feudal e em denunciarem a sua falta de vergonha.

Depois chega uma pandemia que força ao isolamento e obriga ao encerramento de escolas, universidades, comércio. Tudo o que resta é aguardar que o vírus faça o seu caminho por entre a sociedade. Mas uma calamidade nunca chega só. Beirute sabe isso.

A explosão de enorme magnitude que soou como um trovão do Apocalipse a 4 de agosto poderia muito bem ter sido o prenúncio da queda da Civilização, tal foi a sua força. Bairros inteiros foram reduzidos a ruínas e o porto de Beirute já não existe. É uma catástrofe humanitária perante a qual só restou aos libaneses mostrarem-se mais uma vez resilientes. Mas até a lendária resiliência dos libaneses não pode servir de pretexto para as autoridades e líderes escaparem, uma vez mais, às suas responsabilidades. Se o Apocalipse já chegou ao Líbano, então a liderança tem de enfrentar o seu dia do Julgamento.

Neste tempo que vivemos, aprendemos que não basta uma Primavera Árabe, assim como não basta uma andorinha para fazer a primavera. A Primavera Árabe é um longo processo em curso, uma sucessão de primaveras que atravessa a História e gerações. É uma luta imensa e demasiado importante para se fazer de uma vez só.

Os revolucionários de hoje são mais organizados, experientes e globalizados do que os revolucionários que juntaram as vozes pela primeira vez em 2010. E, a cada ano que passa, dão mais um passo em direção à primavera derradeira, quebrando um inverno que ainda se agarra com incrível tenacidade às raízes, recusando-se a desaparecer. Será uma questão de tempo.