Admito que a tomada de posse do novo Governo, na ausência de meses de política interna mediática, tenha sido de “pompa e circunstância” e propensa a discursos de carácter mais retórico por parte do Presidente da República e do primeiro-ministro. Constatamos que o discurso do Presidente evidenciou  uma especial pedagogia, expressando a gravidade das condicionantes exógenas, como são a pandemia e, neste momento em particular, a guerra da Rússia à Ucrânia, dando ênfase em termos de futuro aos grandes mas urgentes desígnios nacionais. Digamos que o Presidente da República fez o seu papel.

Já o discurso do primeiro-ministro, sem deixar de também expressar questões essenciais mas num tom demasiado genérico para quem é executivo, assumiu que o novo Governo será de continuidade – incluindo as sobejamente referidas “reformas estruturais e as incluídas no PRR” –, sustentado na forma como os anteriores governos PS (minoritários) conseguiram, no seu entender, virar a página da austeridade, combater com determinação a pandemia, assegurar em período crítico o funcionamento da economia, apoiando empresas e famílias mais vulneráveis, e criando condições para uma recuperação que já se vinha sentindo.

Tudo somado, e para além da convergência entre os dois discursos no que toca à inexistência de qualquer desculpa face à maioria absoluta governativa (que não significa, no entanto, poder absoluto), pareceu-me faltar alguma objetividade em termos de linhas de rumo, designadamente no discurso de António Costa. Desde logo, faltou dar o devido relevo às inevitáveis alterações a introduzir no imediato, face à conjuntura externa, nos documentos-chave que são a proposta de Orçamento, o PRR e mesmo o programa do Governo, que já não pode ser o mero programa eleitoral do PS). Aguardemos!

Foi no entanto relevado e amplificado um “catedrático” reparo do Presidente da República, ao atribuir a António Costa uma vitória notável (um elogio mais do que evidente), o que para o PR torna o PM “refém do povo português” durante os quatro anos e meio da legislatura. Ou seja, Marcelo fez questão de, publicamente, “cortar raso” as eventuais possibilidades de António Costa agarrar um lugar europeu  de prestígio.

Creio que não havia necessidade imediata e pode prestar-se a diversas interpretações subjectivas, uma das quais (a mais benigna) será o desejo do PR, em nome da estabilidade que sempre apregoou, querer acabar o seu mandato  em cooperação institucional com António Costa (um informal “bloco central institucional”!).

Contudo, na sua fundamentação, o PR  tem alguma base sólida, pois foi António Costa que na campanha eleitoral disse que a escolha do país para primeiro-ministro era entre ele e Rui Rio. Agora tal lhe é cobrado, embora saibamos das pressões que os corredores da União Europeia façam no sentido de tornear obstáculos colocados por Estados-membros.

Finalmente, no meu entender, pouco se falou da oposição. Claro que se enalteceu o seu papel escrutinador numa legislatura de maioria absoluta (e daí o necessário diálogo democrático), mas não foi aflorado por parte do PR a existência de um problema real que é a instabilidade que reina no espectro da direita moderada, que tem que ser resolvido a bem da existência de blocos políticos alternativos credíveis.

Faltou esta abordagem “diplomática”, especialmente se tivermos em conta que mesmo um bom Governo PS após dez anos de exercício do poder estará naturalmente desgastado, o que pressupõe, a bem da democracia, que uma alternativa sólida esteja pronta para disputar o poder. Para uma situação de Governo que acaba por se ver livre da “geringonça”, teria feito sentido, a meu ver, expressar uma crença na recomposição da direita política. Marcelo optou por tal não verberar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.