1. Os resultados das eleições 2024 para o Parlamento Europeu (PE) não defraudaram as sondagens. Uma aproximação quase ao milímetro. O PE inclinou-se para as direitas radicais a imitar a Torre de Pisa, mas os grupos políticos de centro-direita (PPE) e centro-esquerda (S&D) – a base, ao longo dos anos, determinante da construção europeia – em conjunto com os grupos Renovar a Europa e Verdes/ALE asseguram uma larga maioria absoluta (62,9%).
O sistema não caiu, mas a influência da extrema-direita, nos meandros da União, sobretudo através de Giorgia Meloni, vai reforçar-se a pouco e pouco, tentando mudar o rumo da “marcha europeia”, já de si tão vagarosa e sinuosa.
2. Uma coisa, porém, são as expectativas, outra o choque, ao nível dos Estados-membros, com a realidade nua e crua, apesar de esperada. A realidade dos números não deixou de abalar a França e a Alemanha, onde os partidos ligados à governação acusaram derrotas estrondosas.
Em França, Macron nem metade atingiu do número de deputados do partido de Le Pen e, na Alemanha, pela primeira vez no pós-guerra, a extrema-direita (AfD) inflige uma derrota humilhante ao chanceler Scholz, obtendo mais deputados que cada um dos três partidos do governo. Nem os escândalos de última hora da AfD bastaram para quebrar a tendência de humilhação previsível.
3. Macron reage dissolvendo, de imediato, a Assembleia Nacional. Marca eleições para 30 de Junho (1ª. volta) e 7 de Julho (2ª.), o que significa que trazia a jogada preparada. Scholz não reagiu, mas alguma atitude terá de ter, face a tamanha humilhação. Aliás, a CDU/CSU (direita clássica e principal membro do PPE) já chamou a atenção do governo nesse sentido.
A União Europeia, arrastada por esta situação nos seus dois maiores Estados-membros, mergulha numa crise, cujo desfecho é complexo, embora no caso de França todos os sintomas nos indiquem (apesar da “Frente Popular”, manifestações de rua, cisão nos Republicanos) que o partido de Macron vai sair desta contenda bastante “asfixiado”. Uma coabitação entre um governo de maioria Le Pen e Macron poderá estar à vista, com efeitos de antevisão bem problemáticos, até na Nato.
As causas desta crise
4. Muitas são as razões do voto populista que, embora não tenha obtido força determinante no conjunto da UE, foi determinante nestes dois países para desencadear uma crise interna e lançar a confusão entre as forças políticas.
Apontamos aqui algumas:
- Uma de fundo. A não realização do Mercado Único Europeu, criado há 30 anos, em áreas-chave como a energia, as telecomunicações, os mercados financeiros, como bem realça o relatório recente de Enrico Letta, presidente do Instituto Jacques Delors, elaborado a solicitação do Conselho e da Comissão. O relatório afirma que, desde a primeira hora, não houve avanços por decisão dos grandes Estados-membros. Uma ausência de visão estratégica pois não souberam antever que a dimensão do seu país, ao contrário do que pensavam, não era suficiente. Importante para a competição global era mesmo a dimensão europeia. E foi nesse sentido que Jacques Delors com a sua sagacidade o tinha lançado. Continuamos com 27 mercados, em vez de um único.
- A crescente frustração dos europeus com a política migratória confusa acordada entre os partidos influentes na governação da União Europeia.
- A elevação do patamar de preços da energia que marginalizou a indústria europeia na competitividade global, para além do impacto negativo na factura mensal das famílias, atribuindo o desnorte nesta matéria à má gestão da União Europeia, pois sabem que ao cidadão e às empresas da Europa a energia custa o dobro da dos EUA.
- A ideia de que a ajuda europeia ao esforço da guerra da Ucrânia pesa em demasia sobre o cidadão europeu. Um exemplo, não esquecer a grande contestação do movimento dos agricultores em toda a União aos benefícios às importações de produtos agrícolas da Ucrânia (cereais, frutas…).
- O elevado nível de desemprego e a incerteza face ao futuro sobretudo das gerações jovens.
A juntar a estas e outras razões, a sensação de incapacidade dos partidos tradicionais oferecerem saídas aos problemas que cada vez mais vão agravando a vida da população europeia.
A situação portuguesa
5. Quem ganhou e quem não ganhou com os resultados destas eleições?
Somar e subtrair é fácil e tirar conclusões quantitativas também. Em termos pessoais Cotrim de Figueiredo, António Costa indirectamente, pois reforçou o apoio no caminho para a Europa, Marta Temido… Mas não é este o foco que interessa. Em termos de substância, passou-se algo de novo no País?
Um mito apenas se partiu. O afundamento do Chega e pela profundidade atingida é mesmo excepção na Europa. Os 50 deputados no Parlamento entram, assim, em desvalorização. Continuam lá a fazer número, mas de qualidade pouco certificada. A desvalorização decorre da forma desregrada como têm agido os parlamentares e o seu líder e das causas protagonizadas. Achincalhar o PR não é coisa de que se goste. É ir longe demais, para além de nunca avançarem com propostas que levem à solução de problemas reais das pessoas.
Em termos de substância ficamos na mesma. Existe uma paralisia e os problemas de substância estão para ficar. Escolhemos três problemas estruturantes que condicionam o nosso futuro e precisam de ser equacionados com urgência, pois não têm solução de curto prazo: água, energia, demografia. Há muitos outros, custo de vida, habitação, justiça, tecnologia. Mas não estou a fazer a lista. São muitos e muito interligados.
6. Umas breves notas. O País precisa de políticas sérias e bem estruturadas para cada um destes problemas. Fala-se aqui e ali, mas sempre de forma desgarrada.
Sobre a água fala-se de dessalinização e que problemas resolve? Haverá transvases? Haverá aproveitamento do Tejo? Há, pelo menos, levantamento das necessidades de água a longo prazo? Penso que pouco se sabe sobre isto de forma alicerçada e decisões sustentadas menos ainda.
Sobre a energia, outra situação semelhante. Fala-se muito de renováveis, de descarbonização, da transição energética, do combate às alterações climáticas, mas sem estratégia de fundo e com um baú de preconceitos, a ausência do equacionamento da energia nuclear. Continuamos a desqualificar a ciência e os avanços tecnológicos neste domínio.
E, finalmente, sobre a demografia, esqueceu-se que Portugal, a Europa e o Mundo têm, aqui, um problema gravíssimo. Sem pessoas em idade de trabalhar não há desenvolvimento, o país mirra, empobrece e, sem dúvida, caminhamos nesse sentido. Um país como o nosso, com um grau de envelhecimento cada vez mais acentuado, está a reduzir o número de pessoas em idade de trabalho. E como vai o país enfrentar esta situação? Uns ditos piedosos!!
7. Certamente, há que agarrar estas situações gravíssimas e começar a encontrar soluções participadas. É preciso uma metodologia para relançar tudo isto. Chamem-lhe “projecto Porter”, “estrutura de missão Mariana Mazzucato”. Necessário é arrancar, inovar e criar conhecimento aplicado.
Já temos a União Europeia que induzo a entrar em período de hibernação até porque este segundo mandato de von der Leyen nada promete de melhor. Saiu desprestigiada do primeiro em várias frentes. Porque não apostar numa outra figura como Mario Draghi?! Até é da mesma família política. Mas mudaria seguramente a qualidade e a determinação no “saber agarrar” os problemas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.