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Unicórnios portugueses também sentem a falta de talentos

“A avaliação acima de mil milhões de dólares veio reforçar a confiança dos investidores”, afirma ao Jornal Económico Marco Costa, diretor-geral da Talkdesk para a EMEA. Mas não é por as empresas valerem mais de mil milhões que os trabalhadores lá ficam para sempre. “Reter pessoas não passa por ter cadeiras amarelas ou chocolates em cima da mesa”, garante Rui Pereira, cofundador da Outsystems.
2 Maio 2019, 11h30

Há uns tempos, estava num bar e ouço na mesa ao lado um curioso diálogo entre duas pessoas que, muito provavelmente, se tinham acabado de conhecer.

– Trabalho na Outsystems, aquele unicórnio.
– Unicórnio?
– Uma empresa que vale mais de mil milhões.

Não sabemos o desfecho desta conversa, mas algo foi notório: a vaidade que aquele engenheiro informático sentiu em explicar que estava empregado num “unicórnio”. Porém, não basta este nome para que talentos como este jovem se mantenham numa empresa destas. Rui Pereira, cofundador da Outsystems, diz que, internamente, “pouca coisa mudou” pelo facto de a tecnológica se ter tornado um unicórnio em maio do ano passado, após ter angariado 360 milhões de dólares (cerca de 307 milhões de euros) da KKR e do Goldman Sachs.

“Causou orgulho nas pessoas por causa do reconhecimento, mas não é por sermos um unicórnio que as pessoas ficam mais tempo na empresa. Ficam por um conjunto de medidas que temos de recursos humanos. Um unicórnio não serve para nada a não ser para os media e para quem os lê. Mas se calhar quem estava na dúvida de ir trabalhar para a Outsystems ou para outra empresa que não é unicórnio opta pela Outsystems”, argumenta o ainda vice-presidente de Transformação Digital da empresa.

O auditório da sede da EDP, em Lisboa, recebeu uma “Clinic Unicórnios Portugueses”, onde estiveram duas startups nacionais que ultrapassaram os mil milhões de dólares de valorização – Outsystems e Talkdesk – e outra – Feedzai – que estará prestes a juntar-se ao grupo e a formar um quarteto, que fica completo com a Farfetch. Apesar de Portugal contar só com quatro startups com este estatuto, trata-se de um valor bastante significativo tendo em conta os números pouco impressionantes do ‘Velho Continente’. De acordo com os dados recolhidos pela Comissão Europeia, em 2017 havia 26 unicórnios privados na União Europeia, o que compara em baixa com os 109 só nos Estados Unidos da América, com os 59 na China e os dois oriundos da Coreia do Sul.

Neste encontro na EDP, Mariana Jordão, diretora de operações da Feedzai, lembrou que estas startups, ainda que bem-sucedidas, também têm “dores de escalar” nos países desenvolvidos, sobretudo devido à tecnologia (que requer atualizações constantes), com o talento técnico (recrutar bons data scientists, engenheiros…) e com o facto de existirem muitas empresas a contratar. O trabalho da Feedzai passa por lutar contra o crime financeiro e evitar o branqueamento de capitais através de soluções tecnológicas. Mariana Jordão salienta que estes hackers financeiros já não são “miúdos de sótão” ou “encapuzados”, mas verdadeiras organizações internacionais criminosas, o que leva as empresas a prever investir 10,4 mil milhões de dólares em soluções de combate à fraude até 2023.

Número de unicórnios e número de unicórnios por 10 milhões de habitantes (dezembro 2017)

Fonte: DG Research and Innovation – Unit for the Analysis and Monitoring of National Research and Innovation Policies      

Ao Jornal Económico, Marco Costa, diretor-geral da Talkdesk para a região EMEA, refere que a avaliação acima de mil milhões de dólares veio “reforçar a confiança dos investidores e do setor na capacidade de inovação da Talkdesk”. “Trouxe consigo um reconhecimento generalizado, posicionando a Talkdesk como uma empresa desafiante e ambiciosa para trabalhar e, ao mesmo tempo, como um parceiro a considerar na hora de pensar na estratégia para os centros de contacto”, explicou. Contudo, esta última ronda de financiamento de 100 milhões de dólares (cerca de 89 milhões de euros) arrecadados em outubro de 2018 trouxe também na bagagem “uma grande responsabilidade de continuar a antecipar o futuro”.

Mas, afinal, o que conquista os colaboradores destas empresas, numa altura em que são cada vez mais exigentes com os benefícios extrassalariais? “A nossa cultura organizacional, que se resume em quatro lemas essenciais pelos quais nos guiamos – “Move fast”, “Do whatever it takes”, “Enjoy the ride” e “Be proud” –, promove o desafio intelectual constante e o espírito de aprendizagem contínua, aspetos muito valorizados pelos profissionais da área da tecnologia”, assegura Marco.

A Talkdesk tem 1.400 clientes em mais de cinco dezenas de países. No final de março, a empresa inaugurou o seu primeiro laboratório de inovação (TDX) e, simultaneamente, o primeiro escritório na cidade de Coimbra. “Coimbra tem duas vertentes que considerámos essenciais para este investimento. Por um lado, é uma cidade com um forte ecossistema tecnológico ligado às áreas da engenharia de software, algoritmia, inteligência artificial, análise de dados e ciências da computação. Por outro, é a «cidade dos estudantes» e, como tal, é também um local de formação, desenvolvimento e criatividade”, argumenta Marco Costa, em declarações ao semanário. Além disso, apresentou também o Talkdesk Workforce Management, um novo produto que está a ser desenvolvido no TDX e que se trata de um software com capacidade de prever o volume de contactos e criar calendários dos agentes necessários para corresponder, bem como monitorizar o número de colaboradores que está alocado em tempo real.

A figura de unicórnio, associada à pureza e à força, não se consegue facilmente. Rui Pereira dá três conselhos aos empreendedores (ou mesmo às grandes empresas), oriundos de lições que aprendeu ao longo dos últimos anos: ter resiliência e acreditar no que se está a fazer – ouvir “muitos nãos” faz parte do caminho –; ter uma cultura empresarial unânime em detrimento de fazer uma “divisão das pessoas consoante o seu trabalho” e ter um modelo de prioridades estruturado.

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