À semelhança do que tem sucedido um pouco por todo o mundo desenvolvido, a “política identitária” está a ganhar força em Portugal. Esta pode ser definida como uma abordagem à política baseada nos interesses e perspetivas de grupos sociais com os quais os cidadãos se identificam e que se podem formar a partir de sinais identitários como a idade, o género, a orientação sexual, a etnia, a cor da pele, a nacionalidade e a religião, entre outros.

Na sociedade portuguesa persistem muitas desigualdades, a par de manifestações de racismo, machismo, homofobia e outras formas de discriminação. Estes fenómenos devem ser combatidos e as medidas de afirmação ativa ou de discriminação positiva podem ser úteis e eficazes, como temos visto com as quotas para mulheres no setor público e nas grandes empresas. Mas importa refletir se a política identitária como sistema ou praxis constitui a melhor abordagem, tendo em conta o bem comum.

Os riscos da identity politics são de vária ordem, a começar pelo mais óbvio, que é o de os vários grupos colocarem os seus interesses particulares acima dos da comunidade mais vasta onde se inserem. Esta é uma das razões que fazem com que a política identitária seja mal vista não só à Direita mas também por autores de Esquerda como Eric Hobsbawm. O historiador – judeu, anti-sionista e comunista -, defendia que a Esquerda deve ser universalista e defensora dos direitos de todos os seres humanos e que, por essa razão, não pode centrar-se em interesses particulares. “[A Esquerda] não é pela liberdade dos acionistas ou dos negros, mas pela de toda a gente”, escreveu em “Identity Politics and the Left”, um artigo de 1996, na “New Left Review”. Hobsbawm propunha um “nacionalismo cidadão”, dotado de uma visão universalista, em contraponto não só ao nacionalismo de Direita como também aos grupos identitários de Esquerda que “são sobre si próprios, para si próprios e mais ninguém”. Estas seriam as “razões pragmáticas” para ser contra a política identitária, que equiparava ao nacionalismo burguês pré-1914.

Outro risco será o de minar o conceito de tolerância em que, desde o século XIX, assentam as democracias liberais.

No clima moralista da identity politics, é mais fácil cair na armadilha de diabolizar e de não tolerar quem pensa de forma diferente. Num ápice, o adversário passa a inimigo ou mesmo a uma espécie de degenerado ético.

Por outro lado, há o risco de alimentar os extremismos. Hoje estamos habituados a ouvir argumentos inflamados em defesa de minorias historicamente oprimidas, mas este tipo de discurso está a ser mimetizado pela extrema-direita, que procura vitimizar-se e virar o jogo em seu proveito. Afinal, dizem, por que não defender o homem branco, marialva, heterossexual, capitalista e judaico-cristão, se todos os outros ‘grupos’ não têm pudor em defender os ‘seus’ e impor, pela “luta”, os seus valores e a sua forma de ver o mundo?

Voltando ao nosso país, temos muito a melhorar em termos de inclusão social e igualdade de oportunidades. E o género ou a cor da pele não são os únicos factores de discriminação: por exemplo, um jovem ‘branco’ de classe média baixa de Trás-os-Montes tem de se esforçar muito mais do que um filho da elite de Lisboa para ser bem sucedido. A verdade é que sempre haverá desigualdades, porque as pessoas e as suas circunstâncias não são iguais. Porém, a discriminação positiva não é a única forma de as combater. É possível fazê-lo através de medidas universais como a escola pública, que há décadas tem sido o principal – senão o único – ‘elevador social’. Talvez a solução passe por investir mais nesse tipo de medidas universais e não tanto pela divisão dos cidadãos em grupos, com base em sinais identitários que, sendo relevantes, não definem cadaa pessoa e suas circunstâncias.