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Ursula von der Leyen deixa um ‘statement’: União quer tarifas zero para bens industriais

União deixa a porta aberta a negociações e lança a possibilidade de uma zona de comércio livre entre os dois blocos. Curiosamente, Elon Musk pedira o mesmo há uns dias, mas o responsável pelo comércio na administração Trump descartou essa possibilidade – o que pode servir de resposta à União.
Ursula von der Leyen – Twitter
8 Abril 2025, 07h00

“A Europa está pronta para negociar com os EUA. Oferecemos tarifas zero por zero para produtos industriais, porque estamos sempre prontos para um bom acordo. Mas também estamos preparados para responder com contramedidas e proteger-nos contra efeitos indiretos através do desvio de comércio”, disse Úrsula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a aplicação de uma taxa alfandegária geral de 20% às importações da União Europeia, que entrará em vigor a 9 de abril. O aço, o alumínio e os automóveis estão sujeitos a uma taxa separada de 25% – no total, serão afetados mais de 380 mil milhões de euros de produtos fabricados na União. Neste contexto, a redução das tarifas em 100% – é essa a proposta da União – parece ser mais um ‘statement’ para ‘início de conversa’ do que propriamente uma contra-proposta: o que os 27 levam para cima da mesa de negociações – quando a altura chegar, sendo que a fila de espera tem pelo menos 50 países – é uma proposta arrojada: uma zona de comércio livre entre a União e os Estados Unidos. Von der Leyen sabe que Trump não pode aceitar a proposta, uma vez que seria o mesmo que dizer ao mundo que a Casa Branca está a ‘brincar’ às tarifas – para além de que seria um péssimo sinal para consumo político interno. Mas é também, por outro lado, uma declaração sobre a forma como a União vê o comércio internacional: qualquer barreira às trocas multilaterais é, por pequena que seja, um entrave para ambas as partes.

Úrsula von der Leyen indicou esta segunda-feira que propôs aos Estados Unidos tarifas “zero por zero” no comércio de produtos industriais. “Estamos prontos para negociar”, disse a responsável pelo bloco europeu. E deixou de lado a questão do comércio de serviços, onde a União é muito deficitária face aos Estados Unidos. Ainda assim, von der Leyen deixou um recado ao presidente dos Estados Unidos, ao dizer que a União Europeia está preparada para retaliar contra as novas tarifas recíprocas norte-americanas se não for possível alcançar um acordo. “Este é um grande ponto de viragem para os Estados Unidos”, reconheceu Ursula von der Leyen em conferência de imprensa após um encontro com o primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre.

Von der Leyen disse ainda que será constituída uma task force que vai estar atenta às importações. “Trabalharemos com a indústria para garantir que temos a base necessária para as nossas medidas políticas. Manteremos contacto próximo para trabalhar juntos e minimizar o efeito dos dois lados” do Atlântico, afirmou, citada pelas agências internacionais. A União Europeia (UE) acordou “não escalar mais” as tensões comerciais com os Estados Unidos, na sequência das novas tarifas norte-americanas, mas garantiu “firmeza” comunitária nas negociações transatlânticas – ou seja, deixou subentendido que, se as negociações não correrem bem, então a Europa está pronta para uma guerra comercial.

O acordo “zero por zero” foi proposto no passado “repetidamente” para o setor automóvel, disse von der Leyen, “mas não houve uma reação adequada” de Washington. A Comissão alargou a proposta a todos os produtos industriais nos últimos dias, à medida que as conversações se intensificavam, disse um porta-voz da Comissão, sem fornecer mais pormenores. “Preferimos ter uma solução negociada”, disse von der Leyen, alertando que o seu executivo usará “todos os instrumentos” disponíveis para retaliar, caso isso se revele “necessário”, incluindo um instrumento anticoerção que foi introduzido em 2023, mas que nunca foi acionado. Para além do impacto imediato nos fluxos comerciais entre os dois blocos, a Comissão está também preocupada com as potenciais ramificações que a decisão de Trump terá no comércio internacional, em particular na Ásia – que, nas últimas décadas, se transformou na ‘fábrica’ do Ocidente.

Os ministros que supervisionam o comércio e que se encontraram em Luxemburgo esta segunda-feira para debater a resposta da União e as relações com a China consideraram que uma guerra comercial com os Estados Unidos é a última opção a debater. Vários dos presentes em representação dos Estados-membros disseram, segundo as agências noticiosas, que a prioridade é iniciar negociações para remover as tarifas, em vez de as combater. Michal Baranowski, vice-ministro da Economia da Polónia, disse, citado pela Euronews, que a União não deve ser “precipitada”.

O comissário de Comércio da União, Maros Šefčovič, disse que as discussões com Washington estão num estágio inicial e revelou, como disse von der Leyen, que havia proposto tarifas “zero por zero” para os automóveis e outros produtos industriais, expressando esperança de que as discussões pudessem começar.

“Embora a União permaneça aberta e prefira fortemente negociações, não esperaremos indefinidamente”, disse Šefčovič, acrescentando que o bloco avançará com contramedidas. A União deve aprovar esta semana um conjunto inicial de contramedidas sobre até 28 mil milhões de dólares em importações dos Estados – segundo o plano apresentado há dias. O comissário disse que a lista está a ser concluída, mas seria menor do que o inicialmente previsto por causa das reclamações de alguns Estados-membros, que querem defender as suas próprias exportações para os EUA. Šefčovič deixou claro que a União está pronta para considerar todas as opções de retaliação – entre elas, como disse von der Leyen, o instrumento de anticoerção, que permite limitar o acesso de empresas norte-americanas a licitações de compras públicas da União. “Estamos preparados para usar todas as ferramentas para proteger o mercado único”, disse.

Entre os países particularmente expostos ao comércio com os Estados Unidos, merece destaque o ministro das Relações Exteriores da Irlanda, Simon Harris, que pediu “cautela” em relação à forma como a União vai responder aos Estados Unidos. Ao que o atual ministro da Economia alemão, Robert Habeck, lhe respondeu que a União deve perceber que só estará numa posição forte “se estiver unida”. Até porque a contraparte já teve tempos mais sadios: “os mercados de ações já estão a entrar em colapso e os danos podem ser ainda maiores… Os Estados Unidos estão numa posição de fraqueza”, disse em Luxemburgo, onde o encontro se realizou.

O montador de automóveis

Vale a pena dizer que, de algum modo, o governo norte-americano já respondeu, mesmo que por via indireta, à possibilidade de aceitar tarifas “zero por zero”. De facto, Peter Navarro, o principal conselheiro comercial de Trump, rejeitou já esta segunda-feira a pressão do bilionário da tecnologia Elon Musk para “tarifas zero” entre os Estados Unidos e a Europa, chamando o CEO da Tesla de “fabricante de automóveis” dependente de peças de outros países.

Navarro, que os analistas consideram o ‘pai’ dos planos tarifários de Trump, disse à CNBC que Musk fez um bom trabalho para simplificar o governo, mas que os seus comentários sobre as tarifas não foram surpreendentes, dado o seu papel como “empresário dos automóveis”. “Quando se trata de tarifas e comércio, todos nós entendemos na Casa Branca – e o povo americano entende – que Elon é um fabricante de automóveis, mas não é um fabricante de automóveis. É um montador de automóveis”, disse Navarro, acrescentando que muitas peças dos Tesla vêm do Japão, China e Taiwan. “É um tipo de carros. É isso que faz, e quer peças importadas baratas.”

Recorde-se que Musk interveio por videoconferência no congresso da Liga italiana (que faz parte da coligação da primeira-ministra Giorgia Meloni), ocorrido poucos dias depois de Trump ter anunciado as tarifas, tendo dito que esperava que a Europa e os Estados Unidos concordassem “numa situação de tarifas zero, criando efetivamente uma zona de comércio livre”. Talvez isso resultasse do facto de a Tesla ter observado que as suas vendas trimestrais caíram drasticamente. As ações da empresa negociaram no início de segunda-feira a 227,32 dólares, cerca de metade do seu máximo de 52 semanas.

“A diferença está entre o nosso pensamento e o de Elon. Queremos os pneus feitos em Akron, queremos as transmissões feitas em Indianápolis, queremos os motores feitos em Flint e Saginaw, queremos os carros fabricados aqui”, disse Navarro.

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