A visita de Marcelo Rebelo de Sousa aos Estados Unidos saldou-se num enorme sucesso pessoal, sem qualquer consequência política relevante. O Presidente fez um brilharete, deixou-nos orgulosos e nada aconteceu. Quer isto dizer que Marcelo deveria ter agido de modo diferente? Obviamente, não!
A visita correu muito bem, como de resto se exigia, no encontro e valorização com a enorme e influente comunidade portuguesa nos Estados Unidos. Portugal está em cada um daqueles portugueses, Marcelo sabe-o bem e sabe como valorizar e reforçar essa condição tão especial quanto valiosa.
A visita descambou, como seria expectável, no encontro com Trump. A absoluta impreparação da reunião atesta o enorme desprezo a que a administração americana votou esta visita. Não se exige ao presidente americano que conheça em detalhe todos os países que o visitam, mas espera-se que o Departamento de Estado, a sua administração, lhe forneça informação relevante que permita, num primeiro plano, cumprir um módico de cortesia saudável na relação entre os Estados e, num segundo plano, explorar o potencial das relações bilaterais e aprofundar a cooperação entre os Estados.
Nada disto aconteceu, Portugal estava destinado à humilhação calaceira de Trump. Perante isto, Marcelo esteve muitíssimo bem: não podendo salvar a reunião, salvou-se a si próprio, e consigo a honra de Portugal. Onde outros gaguejariam, Marcelo venceu por KO, mostrando quem é quem e que a inteligência de David continua mais ágil que a força bruta de Golias.
As infelizes declarações de Trump nas últimas horas sobre a União Europeia, revelam que o desprezo por Portugal se insere num quadro mais vasto da estreitíssima mundividência de Trump. Comparar a UE à China, usar a NATO como chantagem, ameaçar com mais proteccionismo, é o fim da esperança num atlantismo que poderia relançar Portugal no quadro das nações, tornando-nos interlocutores privilegiados num quadro de saudável relacionamento UE-EUA.
É certo que Obama escolheu o sul e o Pacífico como prioridades da sua política externa, mas nunca chegou ao ponto de desprezar, como agora, o respeito pelos parceiros de sempre dos Estados Unidos. Mais que nunca, a Europa conta apenas consigo própria; é urgente que o compreenda e se una.
A Europa retalhada
António Costa queixou-se de frustração com a cimeira europeia sobre migrações. É das primeiras vezes em que acredito em Costa sem dificuldade. A Europa enfrenta um problema migratório de uma magnitude sem precedentes e divide-se profundamente quanto à sua abordagem. Talvez porque não existam soluções de eficácia óbvia, a Europa divide-se entre a sua vertente humanista e integradora e a sua visão pragmática e securitária.
Estará a Europa em condições de receber toda a imigração que a procure? Não.
Estará a Europa em condições de recusar asilo e acolhimento aos milhares de seres humanos que a procuram, fugindo da fome, da guerra, da opressão? Não.
A resposta a estas duas perguntas coloca-nos perante um dilema profundo. É preciso ser absolutamente irresponsável para responder afirmativamente à primeira pergunta ou profundamente desumano para dizer sim à segunda questão.
É com estas premissas, profundamente contraditórias na prática, que a Europa tem de lidar. A abertura humanista, mas pouco rigorosa, de Merkel coloca-a no momento de maior fragilidade do seu consulado, com o seu ministro do Interior a ameaçar abandonar funções e o povo alemão em compreensível apreensão. Por outro lado, a firmeza de Viktor Orban convoca sombras de um tempo que a Europa não quer repetir.
Mais do que nunca, as circunstâncias exigem que a esquerda abandone o simpático papel da permissividade irresponsável, em nome da sua sobrevivência e dos princípios que diz defender, enquanto se espera da direita um humanismo integrador com regras e sustentabilidade. Não se poderá tratar de uma luta política entre o laxismo e o proibicionismo. Os seres humanos em causa, a prevalência dos valores europeus, exigem união, cooperação e eficácia.
Não há, claro, resposta óbvias. Não há soluções fáceis. Há seguramente uma convocatória que exige infinitamente mais compromisso, mais contibutos, mais solidariedade, num problema que é de todos.
A acção sobre as causas, e na fonte, só pode ser conjunta e inequívoca; estaremos capazes de a empreender? Estaremos capacitados para lidar com os problemas da nossa segurança de modo a salvaguardar o todo europeu? Teremos possibilidade de atender com dignidade todos os que nos procuram? Como poderemos gerir o efeito de chamada já em curso neste momento, e que pode revelar-se catastrófico?
Honestamente, não tenho respostas sérias para estas perguntas, mas sei, com segurança, que enquanto estivermos divididos entre o laxismo de Merkel, a inflexibiidade de Orban e o alheamento de Macron, não chegaremos a porto seguro.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.