Estamos, como sabemos, perante uma epidemia de contornos ainda incertos.  Apesar dos esforços para se regressar, a uma forma de normalidade, continua a justificar-se que o Governo aplique medidas extraordinárias por um período previsivelmente longo.

O Governo considera agora a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) – máscaras, viseiras, gel desinfetante, etc. – essencial para mitigar a atual situação epidemiológica

A repentina e crescente procura por estes produtos gerou preços altamente especulativos por todo o mundo. De acordo com o comunicado da ASAE, de 9 de abril, os preços de EPI chegaram a aumentar mais de 1000%. Assim, se no final de 2019 um profissional de saúde, estética ou limpeza podia adquirir uma caixa de máscaras por 8 euros, encontramos agora para o mesmo produto preços entre 30 e 100 euros.

Neste contexto, governos e reguladores têm tomado várias medidas para combater os preços especulativos de EPI. O Governo português decretou, por despacho, a fiscalização, pela ASAE, da comercialização de dispositivos médicos e de EPI. Impôs ainda um limite máximo de 15% na margem de lucro.

Porém, com o levantamento do estado de emergência, estas medidas de fiscalização de controlo de preços cessaram automaticamente. Ao mesmo tempo, o estado de calamidade tornou obrigatório, através do DL 20/2020, o uso de máscaras em estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, bem como nos transportes públicos.

Por outras palavras: simultaneamente, as empresas foram autorizadas a lucrar livremente com a venda de máscaras, que se tornaram produtos mais caros para o consumidor, enquanto os consumidores foram obrigados a adquiri-los e utilizá-los nas idas para as normais atividades do seu dia a dia.

Os preços especulativos de EPI podem comprometer o cumprimento da obrigatoriedade da utilização de máscaras, já que oneram excessivamente a carteira do consumidor. Neste sentido, uma medida julgada eficaz no combate aos preços especulativos de EPI consiste na fixação de preços máximos. Espanha, nomeadamente, fixou no passado mês de abril os preços máximos de máscaras em 0,96 euros por unidade.

Contrariamente, Portugal, no dia 6 de maio, chumbou na Assembleia da República a proposta de lei que fixava os preços máximos de EPI. A nosso ver, esta foi a opção correta. Isto porque a imposição de preços máximos implica uma cuidada ponderação de fatores.

A fixação de preços máximos constitui um desvio ao regular funcionamento do mercado, porque obsta ao livre jogo da oferta e da procura. A questão não é meramente ideológica, já que o Estado precisa das empresas para produzir estes bens em tempo útil para fazer face à pandemia.

Sabemos também que a fixação de preços acarreta riscos distintos consoante os preços fixados sejam demasiado baixos ou altos. Se o valor fixado for demasiado elevado, há uma forte probabilidade de os concorrentes alinharem os seus preços por essa fasquia, não havendo, por isso, concorrência de preços (i.e. opções mais ou menos económicas para os consumidores). Se o valor fixado for demasiado baixo, distorce-se os incentivos à produção, levando à saída de operadores do mercado e/ou à não-entrada de novos operadores. Tal reduz a concorrência – e a oferta.

Assim, e atendendo à dificuldade na definição de preços, aos riscos que a mesma comporta e à indeterminação do período de exceção, Portugal optou por medidas alternativas, menos restritivas do que a fixação de preços máximos.

Primeiro, fixou no dia 7 de maio, através da Lei n.º 13/2020, o valor do IVA aplicável aos produtos de EPI em 6%. No entanto, uma semana depois (14 de maio), a entrada em vigor do Despacho 5503-A/2020 reaplicou o limite de 15% na margem de lucro na comercialização de EPI. Apesar de esta última ser uma medida de controlo administrativo de preços, é ainda assim menos restritiva do que a fixação de preços, no sentido em que garante uma margem de lucro que pode não ocorrer com a fixação de preços máximos.

Surgem-nos então duas questões: quão eficaz será a medida do limite de 15% da margem de lucro no combate à especulação de preços? A ASAE tem uma difícil tarefa na fiscalização, tendo em conta o número avultado de operadores no setor de EPI e a relativamente fácil manipulação do mercado por parte destes.

Estamos perante um mercado com baixos custos de produção, o que permite, como temos vindo a observar através da resposta gradual do mercado à pandemia, a entrada constante de operadores. Tal tem garantido o aumento da oferta. O que nos leva à pergunta: quão necessário é realmente o controlo de preços neste setor? Por que não apostar simplesmente na autorregulação do mercado, aliada à aplicação do valor do IVA em 6% dos EPI?

Tendo ponderado globalmente os fatores, parece-nos que esta seria a solução mais equilibrada economicamente, bem como aquela que aliviaria suficientemente a carteira dos portugueses no cumprimento da Lei.

O Estado português mantém-se atento, com vista à conciliação dos interesses da saúde pública, do erário público e – através da AdC e da ASAE – da preservação da livre iniciativa económica, crucial no combate a eventuais práticas anticoncorrenciais nocivas do Bem Público.