A propósito da festa do Avante e do original que é não haver cobrança de IVA sobre os bens e serviços vendidos ou IRC sobre o lucro da festa – que movimenta uns milhares em dinheiro “vivo”, outro detalhe a juntar “à festa” – fiquei a pensar nesta maravilha que foi inventada dos partidos políticos e da igreja não pagarem impostos.
A Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais (ver Lei n.º 19/2003, de 20 de junho), no seu Artº 10º, indica de forma clara a isenção de que os partidos beneficiam ao nível de IRC, imposto de selo, imposto sobre sucessões e doações, tudo o que tenha relação com património imobiliário (IMT e IMI), imposto automóvel e IVA.
De acordo com o “Público”, em 2019 os diversos partidos políticos declararam à Entidade de Contas e Financiamento dos Partidos (EFCP) um valor de imóveis que ascendia a 50 milhões de euros, sendo que a esmagadora maioria está isenta do pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). Em 2012, este valor rondava os 20 milhões de euros.
A justificar este crescimento está o facto de, no ano anterior, os sociais-democratas terem declarado a existência de 26,3 milhões de euros em ativos fixos tangíveis (imóveis, mas também automóveis e outros bens), o quádruplo do declarado em 2017 (5,9 milhões). O PSD é, agora, o partido com mais imóveis, ultrapassando já o PCP que foi sempre o detentor de mais património imobiliário (14,7 milhões de euros). Segue-se o PS com 6,7 milhões, o BE com um único imóvel estimado em cerca de 1,5 milhões e, por último, o CDS, com 425 mil euros de bens declarados.
Na mesma linha temos a igreja católica que, ao abrigo da Lei da liberdade religiosa, mas também da Concordata assinada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, fica isenta do pagamento de IMI, IRC e IVA na grande maioria das situações. Até a Universidade Católica, por estar relacionada com a igreja, está isenta do pagamento de impostos ao abrigo de um Decreto-Lei de 1990 assinado por Cavaco Silva. A Universidade Católica compete com qualquer outra universidade privada mas não paga impostos, a começar pelo IRC. Porém, na realidade, a Universidade Católica, no cômputo geral do que são as receitas relacionadas com a Igreja, é uma gota de água.
E pergunto eu – porque não hão-de os partidos políticos e a Igreja pagar impostos? Parece que o argumento é serem de “utilidade pública”… Utilidade pública? Exactamente. De utilidade pública são os nossos impostos, que atingem valores completamente despropositados para andar a subsidiar um Estado pesadíssimo, um orçamento que contempla comissões, entidades, organizações, fundações, derrapagens e muitas variações. Ao contrário da ideia que parece estar na base da legislação vigente, não vejo mesmo mais utilidade pública do que pagarem os mesmos impostos que são aplicados à generalidade da população para que a carga fiscal aplicada a todos possa ser revista em baixa.
É até curioso que no nº 3 do Artº 104º da Constituição da República Portuguesa seja dito que “A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.” A minha interpretação não é certamente que os partidos políticos ou qualquer outra entidade fiquem isentos do pagamento destes impostos. Antes pelo contrário. No caso dos partidos políticos que o têm, o utilizam e o “rentabilizam” em seu benefício, só têm de pagar os impostos que lhes deveriam caber. É vergonhoso que assim não seja.
Só para lembrar do que estamos a falar quando pensamos na carga fiscal dos portugueses, de acordo com dados de Abril de 2019 da OCDE, Portugal ultrapassa já qualquer país do Norte da Europa em carga fiscal (global). Estamos a falar da taxa marginal máxima de imposto aplicável a pessoas singulares e Portugal bate-se com uns belos 61%, só ultrapassados pelos 61,1% da Eslovénia.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.