A estratégia da Rússia e a da Ucrânia para terminar a guerra que travam há três anos são conhecidas: os russos exigem que se comece por negociações diretas, sem condições prévias, baseadas nos “acordos de Istambul” (2022); enquanto os ucranianos pretendem, antes de mais, um cessar-fogo de trinta dias; primeiro cessar-fogo e só depois conversações de paz. Compreendem-se as motivações de uns e de outros. O cessar-fogo iria beneficiar o lado ucraniano, que se encontra numa situação militar difícil, e dificultar o avanço de soluções políticas. Os russos apenas estão disponíveis para o cessar-fogo se determinados pressupostos políticos forem previamente satisfeitos.
A encenação começou no dia 10 de maio, com o ultimato feito pelos dirigentes dos países que integram o “Weimar Group +” (WG+), ou seja, Alemanha, França, Polónia e Reino Unido, a Moscovo. Reunidos em Kiev, com o presidente Volodymyr Zelensky, exigiram a Moscovo o fim incondicional das hostilidades, por 30 dias, com início às zero horas do dia 12 (segunda-feira). Se a Rússia não obedecesse seria varrida por sanções e todo o tipo de punições. Desconhece-se o que aconteceria aos ucranianos caso prevaricassem e cometessem eles as infrações.
Numa evidente falta de criatividade para punir o incumprimento russo, o WG+ insistiu na ineficaz estratégia das sanções, como foi reconhecido à NBC News pelo secretário do tesouro dos EUA, Scott Bessent: “as sanções impostas à Rússia durante a administração Biden foram amplamente ineficazes.” A Rússia tem resistido a mais de 28 mil sanções. Não seria agora que os WG+ conseguiriam descobrir as sanções milagrosas que a fariam soçobrar.
Moscovo rejeitou, de imediato, as exigências do WG+. Numa conferência de imprensa pelas duas horas da madrugada do dia 11 (domingo), o presidente Vladimir Putin convidou Kiev para negociações diretas, sem pré-condições, no dia 15 de maio (quinta-feira), em Istambul. Logo nesse domingo, Zelensky afirmou tratar-se de um “sinal positivo”, mas insistiu que “o primeiro passo para acabar verdadeiramente com qualquer guerra é um cessar-fogo”. Cada um dos opositores continuava no seu canto do ringue. A Alemanha e a França rejeitaram de imediato a proposta de Putin.
Entretanto, o presidente Donald Trump foi dando nos seus posts na Truth Social “uma no cravo e outra na ferradura.” Ora manifestava simpatia pela proposta do WG+ para o cessar-fogo, ora pela proposta de Putin para negociações diretas. Num primeiro momento, os WG+ ficaram satisfeitos com a resposta de Trump, porque sabiam que sem os EUA as “suas” sanções não produziriam efeito algum. Julgavam ter encostado Putin à parede.
Mas, a resposta de Trump ao anúncio de Putin começou a desorientá-los. Afinal, Trump não estava de pedra e cal com os europeus. A tentativa de amarrar Trump à estratégia europeia parecia não estar a resultar. Para que as sanções produzissem efeito precisavam dos norte-americanos, pois sozinhos não iam lá. Trump estava a resistir em prolongar a estratégia de Biden abraçada pelo WG+.
Para “estimular” os russos a aceitar o cessar-fogo, vários países continuaram, entre outras ideias, a defender o armamento da Ucrânia e o estacionamento de tropas ocidentais em solo ucraniano. Essa colocação de forças na Ucrânia já foi, entretanto, abandonada. Para Macron “a proposta de cessar-fogo não significava o fim da entrega de armas à Ucrânia. A trégua proposta por Kiev e seus aliados não incluía a suspensão do fornecimento de armamento”. Os Estados Unidos, a Alemanha e a Austrália, entre outros, concordaram em continuar com a ajuda militar a Kiev.
Putin fez orelhas moucas às ameaças do WG+, não só não cessou as hostilidades como conseguiu implementar o seu plano de sentar os ucranianos à mesa das negociações, como ele desejava, sem nenhum cessar-fogo – a tal pré-condição ucraniana para negociar. É sabido que a Ucrânia necessita desesperadamente de um cessar-fogo para poder restaurar o seu potencial militar e continuar o confronto militar com a Rússia.
As negociações de paz só foram possíveis graças à pressão de Trump sobre Kiev. A França e a Alemanha esforçaram-se por as sabotar, mas os posts de Trump na sua rede social esclareciam inequivocamente ao que ia: “A Ucrânia deve aceitar IMEDIATAMENTE as negociações propostas por Putin na Turquia.” O desconforto crescia no círculo íntimo de Zelensky, pouco satisfeito por Kiev ter de negociar diretamente com os russos sem um cessar-fogo prévio. O próprio Zelensky confirmou isso, quando disse que “por respeito a Trump, enviaria uma delegação ucraniana às negociações.”
Depois de Trump “ter pedido” publicamente a Zelensky para aceitar negociações diretas, ficou claro que o presidente ucraniano não tinha outra alternativa que não fosse a de aceitar a proposta russa. A delegação ucraniana apresentou-se em Istambul apenas por receio das possíveis retaliações de Trump.
Como sublinhou o “Guardian”, ao exigir que a Ucrânia iniciasse imediatamente negociações de paz com a Rússia, Trump frustrou o plano do WG+ impor sanções a Moscovo pela rejeição do cessar-fogo. E, em resultado disso mesmo, o WG+ não pôde cumprir a sua ameaça e teve de adiar essas novas sanções a Moscovo.
Encurralado, e num golpe de teatro rocambolesco, Zelensky desafiou Putin para uma reunião presencial em Istambul, sabendo antecipadamente que este não aceitaria. Tendo em mente o acontecimento da Casa Branca, Putin nunca iria permitir que Zelensky transformasse a cimeira entre os dois numa armadilha mediática. Não só Putin não reconhece legitimidade a Zelensky, como este ainda não revogou o decreto, assinado no outono de 2022, que o impede de negociar com Putin. Qualquer decisão acordada poderia assim ser posteriormente revogada com base na falta de mandato de Zelensky para negociar em nome da Ucrânia.
Como era previsível, a recusa de Putin para se reunir com Zelensky foi utilizada para uma campanha de Relações Públicas, como numa ópera bufa, em que Putin foi acusado de não querer a paz. O secretário-geral da NATO Mark Rutte juntou-se à comédia dizendo que a ausência do dirigente russo mostrava o quão desesperado estava. Zelensky representava como um ator no palco de um teatro, uma vez que o seu objetivo não era chegar a um acordo de paz, mas sim continuar os combates. Queria somente fazer parecer que a Rússia não estava a falar a sério sobre a paz, esperando assim que Trump voltasse à anterior estratégia de Biden.
A Ucrânia, que tinha abandonado as negociações três anos antes e que andou sistematicamente a recusar negociar com a Rússia, tinha-se tornado agora, num ápice, num paladino da paz. Dada a pressão colocada por Trump, havia que fingir estar do lado das negociações.
Em visita ao Médio Oriente, Trump deu a entender que, eventualmente, se poderia juntar a Zelensky e a Putin dizendo que “nada vai avançar até que eu e Putin nos encontremos… Mas ele [Putin] não iria sem mim. E quer se queira quer não, não acredito que algo vá realmente acontecer até nos encontrarmos pessoalmente.” Entretanto, deixava alguma ambiguidade no ar ao referir “que se a possibilidade de um acordo para resolver o conflito não for encontrada através de negociações, os líderes europeus e os Estados Unidos atuarão em conformidade.”
Afinal, as negociações acabaram por acontecer nos termos propostos por Putin. No dia 16, antes do início das negociações com a delegação russa, em Istambul, altos dignitários do WG+ reuniram-se em Antalya com a delegação ucraniana. Não desistiam de convencer os EUA a impor à Rússia novas sanções económicas. Mas, para se assegurar que o plano iria decorrer conforme o previsto, o secretário de estado dos EUA, Marco Rubio, e o senador Lindsey Graham também se reuniram com a delegação ucraniana para lhe transmitir as instruções de Trump: Kiev tem de participar em negociações diretas com a Rússia.
A pressão de Zelensky e do WG+ sobre Trump tem sido constante, não perdendo nenhuma oportunidade. Desde a Albânia ao Vaticano, que se tornou no centro da geopolítica mundial. Até a missa inaugural de Leão XIV foi um pretexto para encontros entre altos dirigentes, para se discutir o tema. Os encontros, as cimeiras e as reuniões foram tantas que já se perdeu a sua conta.
Até ser óbvio que não havia escapatória e que a Ucrânia tinha mesmo de avançar para negociações com a Rússia, os líderes do WG+ pensaram que, com as suas exigências e o apoio de Trump, tinham encurralado Putin. Ao exigir que a Ucrânia iniciasse imediatamente conversações de paz com Moscovo, Trump frustrou assim os planos do WG+. Putin rejeitou o cessar-fogo exigido e Washington não alinhou nas sanções a Moscovo. Entretanto, a Sky News atribuiu a culpa a Trump pela derrota da coligação anti russa.
A pressão de Zelensky e do WG+ sobre o presidente norte-americano aumentou devido ao anúncio da conversa telefónica entre ele e Putin, prevista para o dia 19 de maio, com os líderes europeus a tentarem desesperadamente convencer Trump a não concluir nenhum acordo com Putin e a pressioná-lo para aceitar o cessar-fogo, recorrendo a sanções.
Depois de duas horas e meia de conversa, continuou tudo na mesma. Não houve alterações substantivas na posição russa, e Trump não ameaçou o Kremlin com novas sanções por entender que existe uma hipótese de alcançar a paz, e que o aumento de sanções não iria ajudar. Os europeus não conseguiram o que queriam e o desalento do WG+ e de Zelensky foi imenso.
Mas o que mais os assustou foi o post de Trump, após a conversa com Putin, em que levantava a possibilidade dos EUA se retirarem das negociações. Trump enfatizou que as negociações entre as duas partes deviam iniciar-se imediatamente. Por outras palavras, negociações diretas com a Rússia, sem os EUA.
Trump esclareceu posteriormente que, se no curto prazo não houver progressos significativos no processo de paz, Washington cederá à Europa o seu papel na resolução do conflito. Sem esclarecer, afirmou que outras decisões se seguirão. Fica por saber se, no seguimento do possível abandono das conversações de paz, Washington deixará de apoiar a campanha militar ucraniana, e até onde. Insensível a estes desenvolvimentos, Zelensky continuou a resistir à exigência de Trump para negociar diretamente com a Rússia propondo uma reunião mais ampla envolvendo os EUA, a UE e a Rússia.
Há que perceber o significado da reunião entre as delegações russa e ucraniana, em Istambul, independentemente do âmbito e do mérito do que se acordou, como foi o caso da troca de prisioneiros e do acordo para continuarem as negociações. Putin conseguiu, até agora, aquilo que pretendia. As negociações prosseguirão, sempre que Kiev estiver disponível, mas sem um cessar-fogo prévio.
Mas antes de fazer o ultimato, o WG+ devia ter assegurado o apoio do presidente norte-americano. Ao não conseguir arregimentar Washington para impor novas sanções a Moscovo, colocou-se numa posição vulnerável. Foi um erro de principiante. A capacidade do WG+ para pressionar Moscovo resume-se agora às sanções incluídas no 17.º pacote de sanções aprovado pela UE de consequências económicas duvidosas. Ao não se amedrontar e fazer tábua rasa do ultimato, Moscovo evidenciou a fraqueza do WG+, daqui em diante difícil de ser levado a sério. Os seus líderes quiseram dar um passo maior do que a perna. Isso paga-se caro em matéria de credibilidade.