Assistimos diariamente aos comentadores e tantos na sociedade a advogar que o mundo não será o mesmo depois desta pandemia. Não creio. Há 100 anos sofremos a gripe espanhola que dizimou 60 mil no nosso país e infectou 500 mil pessoas, um quarto da população mundial, e sobrevivemos. Decorreu a devastadora Segunda Guerra Mundial e a Europa sobreviveu. No ataque do 11 de Setembro, também muitos preconizaram que o mundo mudaria para sempre e decorridos 20 anos poucas vezes o acontecimento é mencionado.

No meu tempo de vida, assistimos à terrível guerra nos Balcãs e ao brutal genocídio do Ruanda, as piores chacinas e extermínios desde a última Grande Guerra e os países envolvidos sobreviveram. Cresci nos anos 80, quando surgiu a terrível SIDA, que se estima ter vitimado milhões – hoje é uma doença crónica. Em 2014, tivemos o maior surto de ébola na África Ocidental, e ainda hoje não está erradicado. Também iremos sobreviver à epidemia de covid-19.

Estamos à mercê de uma situação excepcional. As pessoas sentem-se perdidas, preocupadas com a sua saúde, família e postos de trabalho. Mas talvez o que deveriam ouvir e pensar não é que isto vai correr bem, mas sim que vai correr mal. Quando ultrapassarmos a epidemia e voltarmos lentamente ao ritmo normal, vai ser necessário muito tempo e esforço para recuperarmos da crise económica. Muitos, demasiados, perderão o emprego, e o tecido empresarial vai ser fortemente abalado.

O discurso simplista a apelar a um suposto esforço colectivo e a uma crença cega na gestão de crise do Governo é tanto mais incongruente quando sabemos que a população esteve sempre um passo à frente das medidas decretadas no que concerne ao confinamento e na decisão das famílias de os mais jovens não comparecerem nos estabelecimentos de ensino.

Por muito que gostasse de acreditar na narrativa oficial, que estamos bem comparando com os outros países, basta analisar o número de vítimas mortais e os doentes recuperados para chegarmos à conclusão que algo está errado. Até ontem faleceram 567 pessoas e recuperaram 347.

Todos os outros países têm taxas de vítimas mortais/pacientes recuperados bastante mais positivas que a nossa. Na análise aos 16 países no topo da tabela, só os Países Baixos têm esta discrepância negativa como nós. É possível que não tenha sido ultrapassado o pico da pandemia em Portugal, que apenas o estamos a atrasar, e nesse caso a extensão do isolamento social será decerto prolongado contribuindo para o agravar da recessão.

Será agora necessário concentrarmo-nos na tarefa prioritária nesta fase: salvar a economia por via de um esforço laboral suplementar, planificar formas de contornar as dificuldades nos próximos tempos, cortar em despesas e bens supérfluos, aproveitar a inevitável queda no valor das habitações para negociar rendas, renegociar as condições dos empréstimos nos bancos, concorrer aos apoios dados pelo Governo, e às empresas candidatar-se aos fundos europeus, para que possamos afirmar com convicção que ‘vai correr bem’.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.