(Do Brasil, de onde escrevo estas linhas, mas de olhos postos em Portugal, vem-me à cabeça a banda sonora de uma telenovela dos anos 80, com a famosa banda sonora de Cazuza, em especial a música que me acompanha desde então. “Vale Tudo” tornou-se um ícone não apenas pelos seus actores e pelas magníficas músicas, mas também porque, em vez de um ‘happy end’, no final e, como tantas vezes na vida, os maus davam-se bem. Lá como cá, a corrupção tornou-se não apenas generalizada como, para alguns, motivo de exibição orgulhosa. Quando não da origem do dinheiro, pelo menos dos seus sinais exteriores.)

Os designados vistos Gold foram instituídos pelo anterior governo, sob a promessa de um grande incentivo ao investimento, traduzindo-se na prática numa verdadeira venda de residência autorizada, cujo único critério era – e é – o dinheiro. Entre 2012 e 2018 foram atribuídos 6.575 vistos dourados.  Sucede que, pese embora os mesmos obrigassem a inspecções regulares, o último relatório feito data de 2014 e alude à existência de um controlo incipiente e frágil. Não existe qualquer relatório posterior a esta data, pelo que nem sequer sabemos qual o grau de controlo que é efectuado.

Na verdade, desconhecemos sequer se as promessas então efectuadas por Portas se traduziram, de facto, em investimento ou se se trata de um mero expediente para fazer entrar na Europa pessoas que deveriam estar presas nos seus países. Naquela época – e também agora, note-se – valeu tudo para cativar, inclusive manter uma política de emigração para pobres e outra, bem diversa, para ricos, sem que se tivesse ouvido uma voz a dizer exactamente isto.

Cazuza cantava que o seu cartão de crédito era uma navalha e que o papel que lhe reservaram era o de ter ficado à porta do festim, a estacionar os carros. Entre os emigrantes pobres, tidos como indesejáveis e alvo de campanhas políticas xenófobas, e estes, alguém pode dizer, com o mínimo de rigor, que existe alguma diferença e qual dos grupos é mais desejável?

Sabe-se a quem entregámos um visto dourado, qual o seu objectivo e por que motivo tem tanto dinheiro? Temos a certeza que não existem esquemas fraudulentos, servindo nós de porta de entrada a dinheiro proveniente de escravatura e de tráfico de droga? E estamos assim tão pobres que necessitemos deste tipo de dinheiro, obtido sem olhar a meios e com um total desprezo pela vida humana?

Não vale tudo, ainda que se prometa um final melhor porque, por via de regra, os happy ends dão um ar de sua graça na vida real mas vivem nos contos de fadas. Diz-se que não é o destino que interessa mas a viagem, numa alusão à experiência de vida que vamos conseguindo adquirir. O maior dos luxos, porém, não é sequer chegar ao fim mas conseguir fazê-lo de cabeça erguida, ainda que sem um Gold na mão, seja ele de crédito, seja ele um visto.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.