Nestes últimos quase oito meses de guerra na Europa têm-se acelerado um conjunto de impactos económicos, políticos e geoestratégicos com consequências sobretudo negativas para o futuro do nosso Continente. Uma destas consequências (já completamente visível) é o ónus nas nossas democracias e num crescente populismo cada vez mais extremado e generalizado.

Acredito que há sobretudo dois motivos para este facto.

Um primeiro tem que ver com o agravar das condições de vida de uma parte substancial da população europeia. A pobreza, a dificuldade de pagar as contas básicas de energia e alimentação, a sensação de que a guerra que se prolonga ajuda e fomenta esta situação potencia obviamente o crescimento dos movimentos de extrema-direita. Veja-se o que aconteceu na Alemanha onde entre 1921 e 1923 a inflação chegou a atingir os 21% ao dia!

Um segundo motivo prende-se diretamente com alguma menorização que se tem permitido de valores civilizacionais essenciais. Se a luta é pelo direito dos povos para decidirem o seu destino e garantirem a sua independência, se é contra os regimes totalitários e contra as pseudo-democracias ditas iliberais então há aspetos que deveriam ser inadmissíveis.

Entre estes aspetos inaceitáveis destaco a censura aos órgãos de comunicação sociais russos. É, no mínimo hipócrita, criticarmos os russos, ou mais recentemente a Arábia Saudita por não darem acesso à sua população aos meios de comunicação social “livres”, por limitarem o acesso à internet, por apenas permitirem acesso à “sua verdade” bloqueando todas as informações independentes e depois, na europa, bloquearem-se os Media russos.

A presidente da Comissão Europeia justifica esta medida dizendo que: “a Europa está a assistir a uma propaganda maciça e a uma desinformação sobre este ataque ultrajante a um país livre e independente”, e garantiu que “não deixaremos que os apologistas do Kremlin despejem as suas mentiras tóxicas que justificam a guerra de Putin ou semeiem as sementes da divisão na nossa União.” No decorrer desta decisão a Google decidiu bloquear a cadeia televisiva russa RT e a agência Sputnik dos canais de Youtube e a Meta levou a cabo a remoção do Facebook e do Instagram da publicidade daqueles meios.

Esta atitude parece-me não só injustificável e inaceitável como potencialmente contraproducente.

Mas há mais comportamentos semelhantes e que não se prendem necessariamente com esta guerra. Por exemplo, qual a lógica para se boicotar os jogos olímpicos de inverno na China e participarmos alegremente no mundial de futebol no Qatar? Ou desbloquear o fundo de recuperação Covid 19 para a Polónia antes deste país eliminar as leis que violam gritantemente a independência judicial?

Se cedemos, se menosprezamos os nossos valores essenciais, o que é que vamos ser quando tudo isto terminar? No fim da segunda-guerra mundial construímos, do lado ocidental, uma Europa com um modelo de Bem-estar Social único, evoluímos a acreditar que o melhor sítio para viver era este velho continente. Tenho dúvidas de que seja esse o caminho que estamos a trilhar hoje.

Diz-se que Winston Churchill, ao ser-lhe sugerido que durante a guerra cortasse o financiamento das artes e da cultura para apoiar o esforço de Guerra, terá respondido: “Then what would we be fighting for?”.