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Avaliadores imobiliários: “Valores praticados não se coadunam com a responsabilidade assumida”

A associação dos avaliadores imobiliários tem propostas para alterar os procedimentos previstos pela CMVM, para melhorar a qualidade e aumentar a fiabilidade do serviço. E defende honorários mais altos.
2 Janeiro 2022, 20h15

A procura por serviços de avaliação imobiliária tem crescido em Portugal. No retrato que faz, o presidente da Associação Nacional de Avaliadores Imobiliários (ANAI), Ramiro Teixeira Guarda Gomes, aponta como dificuldades a falta de enquadramento para o acesso à profissão e os honorários reduzidos, que não refletem a responsabilidade assumida.

Como é feita a avaliação bancária em termos de parâmetros?

Para efeitos de avaliação no âmbito do sistema financeiro, o perito avaliador encontra-se sujeito ao disposto na Lei nº153/2015, também intitulada “Lei dos PAI’s”.

No que se refere aos conteúdos dos relatórios de avaliação, julgo que brevemente poderão ser sujeitos a uma revisão, atendendo às orientações recentes sobre a concessão e a monitorização de empréstimos emitidas pela Autoridade Bancária Europeia [EBA].

Concretamente, as avaliações imobiliárias poderão a vir a incorporar os fatores ESG [acrónimo em inglês para ambiental, social e de governança].

Outra questão importante no exercício da atividade é a obrigatoriedade de se realizarem as inspeções presenciais aos imóveis. Esta situação foi inclusivamente esclarecida em plena pandemia Covid-19 pela CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários]. Esta situação é reforçada pelo artigo 209 documento EBA/GL/2020/06, que admite [também] a possibilidade de recorrer-se a modelos estatísticos avançados [AVM, no acrónimo em inglês] no âmbito de avaliação de imóveis destinados a habitação, em caso de mercados maduros, capazes de garantir uma fonte de informação fidedigna e credível. Em contexto nacional, esta é uma questão debatida. E repare que, mesmo com recurso a AVM, o documento da EBA esclarece que “o perito avaliador permanece responsável pela avaliação” e que “os modelos estatísticos avançados devem ser utilizados como ferramentas de apoio”.

Em relação aos métodos tradicionais de avaliação, isto é, os métodos utilizados para determinação do valor de transação, esclarece-se que todos os métodos para avaliação de ativos imobiliários terão como finalidade última a determinação de um valor credível que represente, de uma maneira tanto quanto possível próxima da realidade, a valorização do ativo em apreço, procurando evitar o surgimento de imparidades entre esse valor e aquele pelo qual se encontra registado. Esta questão reveste-se, cada vez mais, de extrema importância.

A ANAI recomenda a obrigatoriedade de o perito avaliador aplicar sempre dois métodos de avaliação.

Qual o impacto de ano e meio de pandemia nas avaliações bancárias das cidades e do interior?

A ANAI necessita de fazer uma recolha de dados credíveis junto das Instituições que reúnem estes dados para emitir uma resposta. Todavia, em termos genéricos e com base na informação recolhida junto dos organismos competentes, sabemos que o número de avaliações para o sistema financeiro e o montante avaliado aumentou ligeiramente em 2020 quando comparado com o ano de 2019.

Quais as informações que uma avaliação bancária oferece, além do preço?

Informação sobre o contexto geográfico, riscos naturais, físicos e estruturais do imóvel, viabilidade, e o valor que potencialmente o ativo pode criar. No final, o perito avaliador imobiliário deverá ser capaz de determinar um valor credível, que possa ser sustentado, inclusive sob contestação.

No futuro, a ANAI crê que existirá uma tendência para se delegar a responsabilidade pelo registo e avaliação dos riscos ESG nos peritos avaliadores.

Qual o impacto na profissão da existência de profissionais não qualificados e não registados na CMVM?

Não existe regulamentação para acesso à profissão de avaliador, estando por definir as habilitações mínimas que deve reunir. O que existe são diplomas aplicáveis a determinadas entidades (Finanças, tribunal, sistema financeiro) que estabelecem critérios próprios de acesso às respetivas listagens de avaliadores (que, uma vez nas mesmas, são reconhecidos como peritos avaliadores).

A variada legislação existente que menciona a intervenção de avaliadores impede uma coerência lógica entre regimes jurídicos e uma uniformização de conceitos. Assim, será necessário uniformizar os critérios de acesso à profissão de avaliador.

A ANAI defende o que está previsto no seu regime estatutário, adotar como critério de acesso à profissão de avaliador o grau académico de licenciado nas especialidades definidas pela Portaria nº 788/2004, a qual deve ser devidamente revista e atualizada, ou, simplificadamente, contemplar as ciências de engenharia, ciências da Terra e Ambiente, e ciências económicas como áreas do conhecimento aptas ao exercício da função de perito avaliador. Ao nível da avaliação de bens móveis considera-se também o grau académico de licenciado nas áreas de engenharia mecânica e engenharia eletrotécnica.

Nas suas publicações mais recentes, a ANAI tem procurado emitir também um conjunto de recomendações para a atividade a ser desenvolvida em contexto nacional. [Escrevemos que] urge estabelecer um quadro regulamentar complementar às regras técnicas e instrumentos legislativos aplicáveis à avaliação imobiliária, em que se identifique um conjunto de instruções que impossibilitem a existência de avaliações do mesmo imóvel com resultados acentuadamente divergentes. A adoção desta medida, conjuntamente com a introdução de um prazo de validade para o relatório de avaliação e a reserva relativa a resultados divergentes aquando da aplicação de dois métodos correntes, poderá evitar a discricionariedade de atos e, por consequência resultados de avaliação não sustentados. Porém, reconhece-se a importância deste tema ser aprofundado pelos especialistas, de forma a fornecer-se uma análise integrada e autossustentada capaz de definir instruções e medidas que auxiliem a sustentabilidade das avaliações, e indiretamente, tornem mais robustos os próprios mecanismos de independência subjacentes a este sector de atividade.

A ANAI tem propostas para alterações dos procedimentos junto da CMVM a nível de reportes, capacitação dos avaliadores e número de profissionais em atividade?

Sim. Em primeiro lugar é urgente identificar e balizar quais são as habilitações académicas que podem aceder ao exercício da atividade. A Lei nº 153/2015 apenas faz referência à especialidade académica para operar no sistema financeiro, mas não baliza quais são as licenciaturas aptas a aceder a essa especialidade.

A título exemplificativo, um indivíduo formado em jornalismo e que frequenta uma pós-graduação em avaliação e gestão de ativos imobiliários encontra-se capaz de avaliar ativos imobiliários? E de vir a adequar-se às novas exigências de incorporação dos ESG? Permita-me enumerar algumas das propostas que julgo serem da maior relevância: clarificação e diferenciação do perito avaliador de imóveis das sociedades que têm por objeto o desenvolvimento da atividade da avaliação; reforço dos mecanismos de rotatividade e pluralidade dos peritos avaliadores de imóveis, de forma a acautelar distorções de análise; que a Lei dos PAI’s contemple a avaliação para efeitos contabilísticos; alterações ao nível do reporte de informação à CMVM; e a aprovação da portabilidade dos relatórios de avaliação.

Por que defendem a portabilidade dos relatórios de avaliação?

A portabilidade dos relatórios de avaliação encontra-se prevista na Lei. As oportunidades identificadas pela ANAI junto dos organismos competentes passam pelo aumento do grau de independência entre sistema financeiro e sector da avaliação imobiliária; promoção da rotação adequada dos avaliadores; reforço da importância da implementação de mecanismos de controlo do exercício da atividade de perito avaliador; impede que o processo de avaliação possa ser percecionado como um mero processo burocrático pelas entidades contratantes; poupa custos para o cliente bancário; e introduz um prazo de validade do relatório de avaliação.

Em que situações deveria ser obrigatório o recurso a um perito avaliador imobiliário?

Sempre que esteja previsto no quadro legal o recurso a uma avaliação ou a um perito avaliador. Neste ponto, acrescente-se o facto de defendermos que a obrigatoriedade de recurso a um perito avaliador é justificada sempre que o relatório de avaliação e o valor determinado seja utilizado para um determinado fim material. Num Estado de Direito, a determinação do valor do bem por um profissional especializado e independente afigura-se como determinante e imprescindível para a salvaguarda dos próprios interesses gerais da sociedade. Atenção à questão da independência, sendo este um princípio basilar do ato de avaliar.

Quais os principais problemas que a atividade enfrenta atualmente, os honorários reduzidos ou pressões de clientes e de prazos?
Os valores praticados não se coadunam com a responsabilidade assumida. Também a aplicação de prazos inadequados (24 a 48 horas), associada a uma política de descontos (“quanto mais rápido mais ganha”) inviabiliza, certamente, que a atividade possa ser exercida com qualidade e respeitando os requisitos legais vigentes (exemplo da inspeção presencial). Em caso de erro, o perito avaliador deve estar atento para o facto de a responsabilidade recair sobre o mesmo.

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