Se lermos os jornais e os blogues, se ouvirmos os telejornais ou até mesmo o inacreditável “news feed” do Facebook, uma verdade sobre Portugal sobressai: o turismo e a retoma do setor imobiliário são o sangue novo que corre nas veias do país e o que nos permite andar um passo à frente dos nossos credores. O turismo trouxe-nos 15 mil milhões de euros em 2017, 18% do total das nossas exportações. No mesmo ano, foram transacionados cerca de 1.800 milhões de euros em imóveis. Em conjunto, estes dois valores representam quase 9% do PIB nacional. Esta é a expressão financeira do alojamento local, dos hotéis que proliferam, da “gentrificação”, da especulação imobiliária e por aí fora.
Esta realidade alimenta-se de muitos fatores mas há dois que são mencionados como “culpados” e coadjuvantes na matéria. O primeiro são os chamados vistos gold que, em cinco anos, trouxeram um beneficio líquido ao país de 3.300 milhões de euros (tanto quanto a privatização da ANA) e que permitem a cidadãos não europeus obter residência no nosso país. A vasta maioria desse valor foi investida em imobiliário. O segundo é o chamado “regime fiscal de residentes não habituais”, que isenta ou reduz o pagamento de IRS a cidadãos estrangeiros de elevado valor profissional e pensionistas de países europeus que escolham Portugal para residir pelo menos metade do ano.
Ora, diz-nos o Bloco de Esquerda, há que acabar com isto, vistos gold e regime especial de IRS. Como se estivéssemos sós no mundo e, ao acabarmos com a coisa por cá, não houvesse muitos que, de bom grado, imediatamente se substituiriam a nós. Ora vejamos, a Áustria, a Bélgica, a Bulgária, Chipre, a Grécia, a Látvia, a Lituânia, Malta, o Mónaco, a Espanha, a Suíça e a Inglaterra, todos eles têm formas comparáveis de concessão de residência a cidadãos estrangeiros e nenhum tem sobre a mesa acabar com ela. Isto para apenas mencionar países europeus.
Mas, e a isenção (ou redução…) do IRS? As notícias dizem-nos que o Estado “perdeu” centenas de milhões de euros com o esquema. Será? Claro que não. Perda seria redução de receita. Mas a realidade é que os estrangeiros que por cá residem sob essa forma, cerca de 27 mil pessoas, pagam milhões de euros em impostos sobre o imobiliário que é seu, desde o IMT, ao IMI, além de muitos milhões mais em impostos indiretos como o IVA, impostos sobre os combustíveis, taxas sobre tudo e mais alguma coisa, etc.. Portanto o Estado não “perde”, antes “ganha”, e muito.
Será que somos únicos nesta postura de concorrência fiscal com os nossos colegas europeus? Claro que não. A Irlanda cobra 12,5% de IRC, enquanto nós andamos pelos 22%. O Luxemburgo faz acordos fiscais caso a caso com grandes empresas em que que o mesmo IRC chega a ser uns meros 1,5%. A Holanda isenta de impostos os ganhos de capital. Todos eles já nos “roubaram” impostos pois não faltam empresas portuguesas que escolheram esses países para sediarem as suas atividades. Acabar com este regime atirará para os braços de vizinhos europeus menos escrupulosos estes 27 mil cidadãos e os outros que ainda vêm a caminho.
Não contente, o mesmo Bloco propõe um regime fiscal especial para taxar “lucros excessivos” em transações imobiliárias. Por este caminho, mais fácil será proibir o lucro. Houve quem tentasse. Esse edifício desmoronou-se em 1989 e ainda me lembro como foi e como era por lá.
Meu Deus, como é difícil ser de Esquerda quando quem porta o adjetivante como apelido é capaz de propor tão tremendos disparates, como se o mundo para lá de Badajoz não existisse. Como se a História nada nos ensinasse. Ou como se nos coubesse a nós – de todos os mais pobres – dar o exemplo. Que comece a Holanda, se faz favor.