1. A Lei do Orçamento de Estado (OE) para 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro) prevê, no seu artigo 198.º, n.º 1, que a partir do próximo ano lectivo (2019/2020), com o objectivo de “reforçar o ingresso de jovens no ensino superior”, o valor da propina a fixar pelas instituições de ensino superior públicas não pode ser superior a duas vezes o valor do indexante de apoios sociais.
Com efeito, o valor máximo da propina a fixar pelas instituições de ensino superior públicas passou de 1.063,47 euros, para 871,52 euros, o que representa uma redução do valor máximo de 191,95 euros e terá um impacto estimado inferior a 50 milhões de euros.
2. O impacto financeiro da medida será suportado pelas receitas gerais a transferir para as instituições de ensino superior públicas (artigo 198.º, n.º 2, da Lei do OE para 2019). Porém, a diferença da verba prevista nas dotações iniciais do OE para 2018 face às previstas no OE para 2019, é de apenas 21.500.000 milhões de euros, aumento que não está associado à medida em causa, uma vez que, de acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o valor associado à transferência para as instituições de ensino superior públicas resultante da redução da propina “será aferido depois da validação do número de inscritos no ano letivo de 2019/2020”.
Assim, torna-se evidente que o OE para 2019 anuncia uma medida cujo custo e pagamento só estarão previstos no próximo Orçamento. Enfim, alguma perplexidade até aqui, mas nada que não seja normal em ano de eleições.
3. O mediatismo do tema das propinas surgiu, inicialmente, associado ao anúncio da redução significativa do seu valor no âmbito da discussão do OE para 2019, tendo ressurgido, mais recentemente, com a posição pública do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que, na Convenção Nacional do Ensino Superior 2030, admitiu o fim das propinas.
Ora, não é surpreendente a posição do ministro Manuel Heitor, que, aliás, em Fevereiro de 2018, já tinha referido que a tendência no médio, longo prazo “é reduzir e anular as propinas”. Surpreendente é, sim, a efectiva redução do valor das propinas, que, conforme o ministro afirmara, também em Fevereiro de 2018, é um tema que “não está no programa do Governo e não está [previsto] para esta legislatura”. Agora sim, a perplexidade aumenta. A medida não constava do programa de Governo, não era equacionada pelo ministro, mas foi, ainda assim, aprovada.
4. Sou tendencialmente contra a gratuitidade do Ensino Superior. Significa isto que, embora reconheça benefícios num Ensino Superior gratuito, entendo que tal só deve ser equacionado se determinados pressupostos se verificarem, entre os quais, a existência de uma dívida pública reduzida, um sistema de ação social eficiente e a gratuitidade dos níveis escolares precedentes. Em Portugal, nenhum destes pressupostos se verifica, o que significa, na minha opinião, que a redução do valor da propina é um exemplo claríssimo de uma má política pública. Mas as razões não ficam por aqui, vejamos o ponto seguinte.
5. A redução do valor máximo da propina a fixar pelas instituições de ensino superior públicas está associada (como vimos anteriormente e agora recuperamos) ao objectivo de “reforçar o ingresso de jovens no ensino superior”. Existe, de facto, um problema a este respeito. Considerando os dados relativos ao ano de 2017, Portugal tem uma percentagem menor de população activa com um grau de ensino superior (24%) do que a média europeia (31,4%), o que é preocupante. Mas considerando o problema, impõe-se a pergunta: a redução do actual valor máximo da propina reforça o ingresso de jovens no ensino superior?
De acordo com o Relatório “Custos dos Estudantes no Ensino Superior Português (2015-2016)”, de Abril de 2018, que analisa os custos associados à frequência do ensino superior, a divisão de custos é a seguinte: no ensino superior público universitário, 23% corresponde aos custos com educação e 77% aos custos de vida; já no ensino superior público politécnico, 20% corresponde aos custos com educação e 80% aos custos de vida.
Resulta dos dados citados que o custo da propina não é um dos custos mais significativos, sendo esses, a alimentação e o alojamento (sendo unânime que este último terá aumentado de forma significativa desde a data da análise do Relatório). Assim, a ideia de que a redução do valor da propina reforça o ingresso de jovens no ensino superior é falaciosa.
6. Não ignorando o problema, o princípio para o resolver deve ser o de facilitar o acesso ao ensino superior público daqueles que, por terem menor possibilidade económica, não têm como aceder. Ora, o meio mais adequado e eficaz para alcançar o objectivo que enunciámos, não é a redução do valor máximo da propina (aplicável a todo o universo de estudantes, independentemente da sua capacidade económica), mas sim o reforço da acção social (permitindo o acesso de mais estudantes a bolsas de acção social) e a construção de residências de estudantes (aumentando a oferta de alojamento aos estudantes deslocados).
Se o Governo está disposto (e bem) a aplicar cerca de 50 milhões de euros no reforço do acesso ao ensino superior, é assim que o deve fazer. E não sou só eu que digo, diz a maioria dos reitores das universidades públicas portuguesas e, curiosamente, diz também o Programa do Governo.
Na verdade, a redução do valor máximo da propina, não só não corrige o problema, como o intensifica. De acordo com o Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, uma das condições de atribuição de bolsa de estudo é a existência de um rendimento per capita do agregado familiar igual ou inferior a 16 vezes o indexante dos apoios sociais em vigor, acrescido do valor da propina máxima fixada.
Assim, a redução do valor máximo da propina implica uma diminuição do valor do rendimento que é condição para a atribuição de bolsa, o que pode levar a uma diminuição do número de estudantes elegíveis para bolsa de acção social.
7. A redução do valor máximo da propina é, por tudo quanto se disse, o exemplo de uma má política pública, isto é, uma política pública irresponsável, por ter sido aprovada sem o estudo devido, uma política pública desadequada, pois não é uma medida idónea para alcançar o objectivo pretendido. No fundo, uma política pública desnecessária e, com elevada probabilidade, prejudicial, uma vez que, para além de adiar a resolução do verdadeiro problema, pode intensificá-lo.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.