O conceito de organizações autónomas e distribuídas (DAO – Distributed Autonomous Organizations) é novo e polémico. Goste-se ou não, acredite-se ou não, o conceito existe, e até já foi legislado pelo estado de Wyoming nos EUA. Então, o que é, e para que serve?

DAO começa por ser outra forma de nos referirmos à auto-execução ecossistémica, mas com a nuance de lhe chamar organização, o que faz toda a diferença. A ideia é dar valor legal aos Smart Contracts através do reconhecimento de direito da organização em que se insere, e cujo funcionamento é autónomo por estar assente numa blockchain.

Será, então, que uma entidade autónoma pode ser responsabilizada perante a lei? É que nas situações em que não é preciso verificar o cumprimento da lei também não há necessidade de chamar organização a seja o que for. Por exemplo, quando jogamos Monopólio, tudo se passa de uma forma muito parecida com a realidade, mas não se trata, de facto, de nenhuma realidade empresarial a nenhum título. Já quanto às verdadeiras transacções económicas, das quais dependem a nossa riqueza, a nossa cultura tem reflectido a vontade em viver num estado de direito, e assumimos que é para continuar, pois afinal vivemos numa democracia.

Ora, uma organização (verdadeira/real) está obrigada a opor-se às transacções não legítimas, da mesma forma que qualquer um de nós, como indivíduos, também não podemos obedecer a ordens não legítimas. É aliás por isso que as instituições financeiras têm sido levadas a ter cada vez mais cuidado com as verificações sobre a proveniência de fundos e sobre os actores envolvidos nas respectivas transacções.

Com efeito, nenhuma transacção baseada em tecnologia, incluindo a blockchain que dá vida à #DeFi e às DAO, pode ir contra a lei, porque afinal vivemos, e queremos continuar a viver, no tal estado de Direito. Então como é que podemos garantir que uma DAO cumpre a lei no mundo da autonomia tecnológica professada pela blockchain? Bom, há duas soluções.

A primeira solução dá pelo nome de custódia, a qual já está em vigor nos países mais avançados em criptoactivos (como os EUA), e é também o caminho prometido pelo MiCA na União Europeia (UE) dentro em breve. Com a custódia da auto-execução, é o guardião respectivo a garantir o cumprimento da regulação e da legislação, seja com que tecnologia for, com Blockchain ou sem ela. Ou seja, a custódia limita assim a autonomia das DAO em tudo o que esteja ao serviço da economia com elementos sujeitos a registo num qualquer espaço geopolítico (com honrosas excepções irrelevantes como El Salvador).

Assim, por muito que se legisle sobre as DAO, a partir do momento em que a custódia da auto-execução tenha lugar, a responsabilização legal das mesmas será tudo menos autónoma. Além disso, a custódia também acaba por ser um processo de centralização, como já aqui expliquei, deitando a perder as enormes vantagens do sistema distribuído que é a blockchain.

Ganha, portanto, força a outra forma de resolver o problema, e que passa por evitar a dita custódia. Esta solução tem por base uma arquitectura de Smart Contracts que garanta todas as propriedades legais subjacentes à identificação de direito dos intervenientes, e à aplicação do direito em função de cada regime jurídico. Para dar vida a tal solução, a legislação só tem de evoluir em conformidade, e fica desde já aqui prometida a explicação de como o conseguir.

De facto, é sem a dita custódia que podemos beneficiar de todas as propriedades disruptivas e revolucionárias da blockchain, tornando-se, portanto, na solução mais interessante. Porém, com esta solução, o conceito de organização não se aplica e não lhe podemos chamar DAO, pois não carece de nenhuma entidade que se responsabilize pela execução do direito.

Assim, defender a legislação das DAO, seguindo o exemplo do estado de Wyoming, no pressuposto de que vai contribuir para a evolução do mundo financeiro, é, por exemplo, estar a desistir do sonho promissor da #DeFi. O que nós precisamos é de uma legislação que garanta uma auto-execução ecossistémica totalmente dentro dos princípios da identificação de pessoas jurídicas e do direito de propriedade, entre todos os outros direitos nos quais acreditamos como sociedade e que vamos continuar a defender em democracia.

Em suma, se a solução com custódia para a DAO desvirtua o conceito de autonomia, melhor será optar pela solução sem custódia, mas será que assim ainda lhe podemos chamar DAO?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.