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“Vamos ter falta de contabilistas no próximo ano”

A bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, Paula Franco, explica como é possível a retenção de talento na profissão e como gere um orçamento de entre 16 a 18 milhões de euros.
20 Outubro 2019, 08h00

A Ordem tem conseguido cativar os jovens?
Temos. Finalmente sentimos que estamos a conseguir fazer essa parte, que é muito difícil. Realmente, houve muito menos jovens a entrar na profissão e, mesmo aqueles que se inscreveram na Ordem, nem todos vinham exercer. E nós precisamos muito dos contabilistas. Vamos ter falta de contabilistas no próximo ano e isso também será bom para o mercado porque os contabilistas vão ser mais procurados e valorizados por isso. A concorrência infelizmente também traz alguma deslealdade em termos de preço. Os jovens de hoje em dia já se sentem mais cativados por dois motivos: sentem que têm uma Ordem muito mais próxima, a trabalhar para defender os seus interesses e isso já os desperta para se aproximarem mais. E depois porque têm um fator muitíssimo importante, que é precisamente a era digital. Os jovens são muito mais propensos a todas estas facilidades em lidar com as questões informáticas. E um dos grandes atrativos da profissão para o futuro tem a ver exatamente com isto, que é o de tirar as tarefas repetitivas e trazer para a contabilidade ferramentas informáticas que substituem aquilo que é menos atrativo para os contabilistas.

De qualquer forma deve ser difícil reter o talento?
O talento acaba por ir para outras áreas das Ciências Económicas. Repare: as pessoas estão inscritas na Ordem porque precisam para o exercício da sua profissão ter determinados conhecimentos. Um diretor financeiro precisa de ter bons conhecimentos de contabilidade e de fiscalidade para acompanhar as empresas, embora não seja ele o responsável. Um analista de risco num banco precisa de ter bons conhecimentos de contabilidade e de fiscalidade embora não exerça diretamente. Estes também são puros contabilistas embora estejam em outras funções que não a responsabilidade direta. Agora todas essas profissões na maior parte dos casos são melhor pagas do que um contabilista numa empresa. Por isso é que os talentos vão muito para essas áreas e temos muita gente a não exercer sem um contabilista certificado. O que queremos é que os bons talentos fiquem na contabilidade e que sintam que a prestação de contas e a preparação de contas é bastante mais importante do que a sua própria análise. Porque se na base não fazemos bem, como é que depois em auditoria ou em análise de risco podemos analisar bem contas que não foram bem preparadas. A preparação da informação é fundamental, para que se prestem boas contas e que a sociedade beneficie com tudo isto.

 

Como tem gerido o Orçamento de 18 milhões de euros?
Entre os 16 e os 18 milhões de euros. A Ordem dos Contabilistas Certificados é das que mais serviços presta aos seus membros. Em termos de rendimento, eles são muito lineares: quotas e a formação. O resto é residual. E, portanto, a nossa receita, serve para suportar todos os custos da Ordem. Esta Ordem tem um consultório técnico para os membros poderem tirar as suas dúvidas, esclarecerem e partilharem os seus problemas. Ou, em caso de estarem indecisos entre determinada decisão, têm um departamento técnico que presta apoio contabilistico e fiscal a todos os contabilistas certificados sobre todas as matérias, todos os dias do ano (menos ao fim-de-semana). Temos um atendimento presencial também em Lisboa e no Porto, precisamente para estes serviços. E temos atendimento por escrito com parecer que hoje em dia até são usados pela Autoridade Tributária muitas vezes. Além disso, temos apoio jurídico, um conjunto de juristas disponível para os problemas deontológicos, para os problemas relacionados com sociedades, coisas que saem um bocadinho fora do âmbito dos contabilistas. Há ainda um seguro de responsabilidade civil oferecido a todos os membros com as quotas e um seguro de saúde oferecido a todos os membros.

 

E a nível de delegações?
Temos um serviço generalizado de base de dados com os códigos fiscais sempre atualizados. Tudo o que é respondido no consultório técnico é posto ali – portanto as dúvidas de um numa altura podem ser as dúvidas de outro – e encontramos ali muita informação. A Ordem tem delegações a nível de todo o País porque independentemente de ser lucrativo ou não, a formação é fundamental nesta profissão. Aliás, esta é uma profissão que está em constante mudança, estamos permanentemente a ser atravessados com nova legislação. As empresas mudam, o mercado muda, e a nível contabilistico é preciso estar ativo e acompanhar a forma de registo das operações novas que vão surgindo. Por exemplo, apareceu o bitcoin e ninguém sabia como se registavam estas operações em termos financeiros para as prestações de contas. É uma área que tem de acompanhar o mercado e as suas realidades. Já para não falar daquilo que se legisla e que está a ser constantemente alterado a nível da legislação fiscal.

 

A Ordem é auto-sustentável com as suas quotas?
É auto-sustentável com as suas quotas.

 

Como está a relação da Ordem com a Autoridade Tributária?
É sempre uma relação, como eu costumo dizer, de professor/aluno. Isto é, somos todos muito amigos, mas cada um tem os seus objetivos. E são objetivos que não se cruzam. O professor tem de avaliar o aluno e o aluno tem de ter boa prestação para passar ou não numa disciplina. E com a AT funciona exatamente assim. Nós podemos dar-nos muito bem, mas a AT tem um grande objetivo: que é arrecadar receita. Embora existam muitas normas que estejam previstas nos Códigos para a defesa do contribuinte, a AT tem mais normas que a protegem a ela do que as normas que protegem os contribuintes. Mas a relação com da AT com a Ordem não é propriamente má. É positiva, trabalhamos em conjunto, desenvolvemos uma série de situações em conjunto. A AT tem tido ao longo dos anos uma forma de estar muitas vezes surda em relação à defesa dos contribuintes. Acho que estamos muito melhor, mas ainda temos um caminho enorme a percorrer. Notamos que por parte da AT há a vontade de criar esta confiança no contribuinte, porque só com esta confiança é que a cobrança voluntária se torna mais eficaz.

 

E o Simplex tem sido bom ou mau para os contabilistas?
Para os contabilistas não tem existido Simplex. Por exemplo, para o próximo Simplex conseguimos unir nas propostas que fizemos uma série de obrigações que os contabilistas e as empresas têm e que nos trazem uma mais-valia: entregamos uma declaração chamada DMR (Declaração Mensal de Remunerações) para efeitos de IRS, entregamos essa mesma declaração para efeitos de segurança social e depois ainda temos de entregar os fundos de compensação todos com parecidas bases de tributação. Já introduzimos uma série de pedidos no Simplex que foi agora aprovado e a união destas três obrigações está prevista até ao final de 2020, precisamente para eliminar situações que são repetidas e não fazem sentido dentro de uma administração pública que é única. Portanto, o Simplex pode ter algumas vantagens aqui. Para os Contabilistas Certificados ainda não sentimos isso porque há cada vez mais obrigações a cumprir pelas empresas.

 

Defende a multidisciplinaridade entre contabilistas, advogados e solicitadores?
Claramente são sempre profissões que devem trabalhar em conjunto. Temos de ter algum cuidado naquilo que são as competências exclusivas de cada um mas acho que faz todo o sentido trabalharem em conjunto. Estas três profissões servem as empresas. E quando servem as empresas o que é que acontece? Se elas trabalharem todas em conjunto funcionarão melhor e trarão uma mais-valia para as empresas. Enquanto se cada um tiver a trabalhar as suas áreas e não existir interligação é mais complicado. Se houver uma equipa a trabalhar em conjunto acho que pode beneficiar bastante as empresas.

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