O Orçamento do Estado é um documento muito importante porque cria as condições para que o Estado possa funcionar. Dentro de dias o Governo deverá fazer entrega na Assembleia da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2025. E de repente parecem estar a surgir condições mínimas para que em Dezembro exista, de facto, um Orçamento e seja evitada uma nova crise.
A AD, que ganhou as eleições e conseguiu que a AR não rejeitasse o Programa de Governo, diz que quer governar e executar esse Programa. Mas tem de procurar compromissos com parte da oposição.
A falta de uma maioria no Parlamento terá finalmente incentivado o Governo a fazer cedências para garantir que o PS, que vinha insistindo na sua incomodidade com os temas do IRS Jovem e da redução generalizada do IRC, se possa abster. Enquanto o tema foi descrito, por um lado e outro, como estratégico, o enquistamento de posições tornou as coisas difíceis.
A arte de procurar governar e ser oposição quando não existe maioria parlamentar consiste em saber entender que temas proclamados como estratégicos o são na realidade, e se entre a AD e o PS não será possível construir um cenário de conciliação temporária. Depende das expectativas e percepções que os principais dirigentes partidários tenham de eventuais resultados eleitorais.
A AD poderia estar tentada por uma estratégia de vitimização, que resultaria na recuperação de parte do eleitorado que se deslocou para o Chega, que poderá ser levado a pensar que será mais eficaz votar na coligação.
O PS parecia também estar a assumir um discurso centrado na coerência e na defesa de valores que, animado por resultados favoráveis que tem conseguido ter em pesquisas eleitorais poderia ser um tema de campanha.
O Chega insiste que não viabilizará nenhuma proposta orçamental se não for chamado para negociar mas apresenta essencialmente propostas que não têm relevância orçamental, o que cria dúvidas sobre se na realidade não estará mais disponível para essa viabilização do que o que quer fazer crer, e se tem de facto segurança na solidez da votação que obteve em Março.
No meio, o Presidente da República desdobrou-se em declarações em que assumia estar a pressionar tudo e todos para que cedessem em tudo o que pudessem numa negociação da proposta de Orçamento, lembrando que o Governo não tem condições para impor a plena concretização do seu Programa, e que a oposição, que no futuro também voltará a ser governo, tem também responsabilidade por manter a estabilidade essencial para que Portugal possa ter condições de progresso e recuperação.
Aparentemente, o Governo parece ter encontrado uma forma de quadrar este círculo, incluindo na proposta de Orçamento a quantificação das suas propostas, mas deixando-a sua aprovação formal para outra discussão. Parece uma forma inteligente de evitar uma crise.
Compete agora ao PS dar o próximo passo, num sentido ou noutro. A oposição (as oposições, na realidade) têm um papel mais facilitado, porque a sua função é de se afirmarem como alternativa ao Governo, sem que isso signifique que uma oposição responsável não possa cooperar com o Governo na construção de cenários que representem os mesmos compromissos e consensos que permitirão que o Governo governe.
Entretanto, continuamos sem discutir que Estado queremos, que funções e responsabilidade deve o Estado ter. E enquanto a economia informal, não declarada, continuar a representar 35% do PIB, o Orçamento de Estado poderá ser, em parte, uma obra de ficção.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.