A segurança do abastecimento energético a preços acessíveis é determinante do desenvolvimento económico de qualquer país. Portugal, sendo dependente de importações para assegurar a produção de electricidade de que necessita e, optando por estar entre os leaders da defesa do clima na UE, orientou-se no sentido de aproveitar as fontes disponíveis, inicialmente a hidráulica, e mais recentemente para um esforço notável para incrementar novas soluções de produção, sobretudo a eólica e a solar e outras como a queima de biomassa ou a co-incineração de resíduos.
Em regra a electricidade tem de ser consumida no instante em que é produzida, sendo o consumo muito variável ao longo dos dias e dos meses. E a diversidade das formas de produção leva a um quadro complexo, com distintos cenários de custos e disponibilidade.
A produção com base em gás natural oferece condições de segurança dada a garantia de aprovisionamento de matéria prima e a possibilidade de arranque rápido das turbinas quando é necessário reduzir ou aumentar a produção para responder a picos de consumo. O custo do investimento é relativamente baixo, mas a componente variável é afectada pelas variações das cotações do combustível e das licenças de emissão de CO2, recentemente em alta devido à conjugação de vários factores (invasão da Ucrânia e desactivação progressiva das centrais ibéricas de carvão).
A hidráulica implica investimentos de vulto, mas tem custos operacionais unitários reduzidos. Pode também responder rapidamente aos picos de consumo dependendo da existência de água nas albufeiras das barragens, que varia por efeito de secas ou de excesso de pluviosidade. E em muitos casos tem de satisfazer necessidades de rega e de abastecimento público.
A eólica e a solar implicam igualmente investimentos elevados, com custos operacionais baixos. Têm um impacto climático muito reduzido e por isso a sua produção tende a ser priorizada. Mas são dependentes das condições climatéricas e, em média, só produzem durante cerca de 25% das horas disponíveis no ano.
Mas os investimentos dependem da garantia de rentabilização, ou seja, de os preços obtidos no mercado serem compensadores.
A solução encontrada foi a criação de um mercado único onde produtores e comercializadores transaccionam as quantidades de energia a colocar no mercado para dar resposta à procura, produzidas de acordo com as prioridades definidas em função da disponibilidade momentânea da fonte e de outras condições, como cláusulas de “take-or-pay” nos contratos de abastecimento de gás natural. Os comercializadores adquirem assim as quantidades de que precisam, sem necessidade de negociar individualmente com os produtores. Por seu lado, os produtores têm a garantia de que os preços que recebem são determinados pela conjugação da oferta e procura no mercado.
Os comercializadores determinam então para os clientes com contratos a prazos mais ou menos longos um preço médio, que reflecte a tipologia dos produtores presentes e a respectiva estrutura de custos. Mas no caso de consumidores que optam por adquirir electricidade em base spot, a situação pode variar fortemente. Numa madrugada com muito vento na Península Ibérica o preço pode estar próximo de zero, mas em situações de grande consumo, que obrigam à produção com base no gás natural, o preço aumenta substancialmente .
É inegável que o mecanismo tende para a criação de um preço de mercado que em contratos a prazo alisa as variações encontradas. Isto é interessante, e vem na linha de outras iniciativas históricas desenhadas para garantir uma certa estabilidade nos mercados. Mas leva também à preocupação manifestada pelo Governo de que os preços spot da electricidade estão a ser afectados pela subida das cotações do gás natural, aumentando os custos de produção industriais e a inflação. E também a um valor superior ao que seria expectável em condições normais da remuneração garantida a vários produtores de energias renováveis.
Como tantas vezes sucede, a imaginação dos operadores de mercado parece ser mais rápida do que a dos reguladores. Resta saber se a proposta de alterar a regulação para fixar administrativamente um “custo de referência” para o gás natural, independente da cotação real, para evitar que o mercado da electricidade seja contaminado por causas que não lhe respeitam directamente, é uma solução praticável – ou desejável.