Quando falamos do impacto transformacional das tecnologias digitais na vida das pessoas, pensamos imediatamente nos nativos digitais. Mas a verdade é que a mudança é transversal a todas as faixas etárias.
Os nativos digitais têm os seus próprios rituais de passagem, sendo o mais marcante o momento em que recebem o seu primeiro dispositivo digital de utilização pessoal, tipicamente na forma de um écran portátil que nasceu sendo um telefone e transformou-se numa coisa muito diferente. A partir desse momento, esses equipamentos acompanham-nos, com diferentes funções, até à nossa velhice.
De forma um tanto surpreendente, os mais velhos têm adotado massivamente as novas máquinas digitais. Utilizam-nas para ocupar o tempo com aplicações específicas de entretenimento, companhia, ginástica mental ou monitorização da saúde; e para manter uma ligação permanente à família, muitas vezes dispersa em localidades remotas.
Uma verdadeira panóplia de aplicações que fomentam o fitness digital da terceira idade e que são um banco de provas da ligação, através de sensores, do mundo biológico, mais frágil nesta altura da vida, à Internet. E também um laboratório para explorar as associações entre dados e emoção e comprovar que a vinculação emocional, ainda mais profunda nesta fase da vida, é a chave para captar e fidelizar clientes.
Mas, além das aplicações que endereçam as circunstâncias biológicas e sociais das pessoas de idade avançada, as plataformas digitais abrem novas perspetivas laborais a este coletivo, com base numas características teoricamente bem adaptadas às pessoas da terceira idade, entre as quais se destacam as seguintes: a divisão do trabalho em micro tarefas individuais de muito curta duração; uma modalidade de externalização que requer contratar um número muito elevado de pessoas para garantir permanentemente a resposta à procura; a alocação instantânea da prestação de um serviço aos trabalhadores disponíveis em cada momento; e a liberdade das pessoas para determinar o seu horário e disponibilidade para trabalhar.
Ou seja, as características do trabalhador do futuro, que são a autonomia, a flexibilidade e a “remoticidade”, encaixam surpreendentemente bem com os velhos. Infelizmente, muitas pessoas de idade avançada estão a ver-se obrigadas a entrar nesta nova economia não como opção mas como consequência do desemprego ou da degradação das pensões de reforma. Chama a atenção a quantidade cada vez maior de pessoas com cabelos brancos nas manifestações de reivindicações sociais, que são testemunhas de um mundo que já não existe e reivindicam o seu regresso impossível.
Há já algumas décadas chamava-me a atenção a quantidade de hospedeiras de terceira idade que encontrava nas companhias aéreas norte-americanas. Pensava eu que era uma anomalia que respondia à ganância dos anglo-saxónicos perante a minha inferência errada de que o sistema social europeu era no mundo a regra e não a exceção.
Este é um âmbito em que, mais uma vez, as tecnologias digitais levam-nos a flutuar entre o horror e a maravilha. Mas a realidade é que os bits cor de prata têm cada vez um peso maior na sociedade e na economia. E, na era dos robôs, a humanidade será um elemento de diferenciação e uma vantagem competitiva, o que poderá contribuir para recuperar a relevância das pessoas de mais idade, que são habitualmente também mais humanas.