A época do comércio febril de Natal é uma boa altura para notar como a estética vazia dos iconoclastas tem vindo a empobrecer os mínimos detalhes da nossa cultura.

E o que é um iconoclasta nos nossos tempos e em sentido lato? É todo aquele que procura apagar a simbologia e as referências culturais que tornam a nossa cultura distinta e única. Todos os elementos que se provaram duradouros, fonte de coesão identitária e dignos de reverência por parte de um povo. Podem existir iconoclastas radicais que actuam no espaço público de forma mais destrutiva, inclusive através da vandalização directa de monumentos, ou outros iconoclastas, muito mais perigosos, que vão diluindo as nossas referências culturais de forma gradual e perfeitamente institucional.

A acção iconoclasta mais subtil empreendida pelas próprias autoridades políticas pode passar pela simples omissão e minimalismos estéticos, de que é exemplo o novo logótipo do governo de Portugal. Por detrás de uma justificação de ordem prática em favor da simplicidade, ao estilo de quem vê a nação como uma simples empresa, existem sempre intenções mais profundas do ponto de vista simbólico e ideológico.

No caso em apreço, houve o propósito declarado de tornar a imagem “plural, inclusiva e laica.” Ou seja, um vazio total que está pronto a ser preenchido por outros valores. Eliminam-se hoje as quinas, as chagas e a esfera armilar em nome da simplicidade e, eventualmente, eliminar-se-ão amanhã de forma generalizada, se o governo declarar que são desnecessárias, antiquadas ou pouco inclusivas.

Uma outra forma de acção iconoclasta é a gradual substituição e mistura de elementos e convenções nacionais por símbolos de outras culturas ou aos valores sociais do dito “progressismo”, para garantir a diluição das representações num cocktail apropriado a espíritos desenraizados. Pode ser notório, por exemplo, nas escolhas musicais selecionadas em eventos oficiais ou a nível de estatuária pública e escultura monumental, quando em todas essas escolhas existe intenção de menosprezar o património nacional e, pelo contrário, incentivar aquilo que é exótico ou a simples uniformidade fria e comercial.

Esta preferência política pelo vazio estético é reforçada ainda pelas grandes empresas e organizações que alinham o seu persistente marketing aos novos ditames da ditadura da inclusão ou da vulgaridade. Basta observar a transformação das mensagens dos anúncios publicitários que desvirtuam o significado de eventos festivos de que é especial exemplo o Natal.

Onde antes existiam referências simples à reunião familiar, a apologia do reflorescimento e da natividade, a reverência ao divino e os mais belos detalhes da tradição popular, reina agora uma tirania monotemática que procura varrer qualquer resquício de nostalgia pelo nosso património e pelo senso comum.

Todos os momentos especiais são agora transformados numa ocasião para denunciar vítimas dos vários “ismos”, centrando tudo no “eu” e numa marcha de narcisismo e vitimizações por parte de minorias étnicas ou sexuais. Claro que tudo isto é feito à revelia do próprio gosto popular, mas vai conseguindo erodir e empobrecer aquilo que existe de mais duradouro e inspirador na vida colectiva.

Se pensarmos na perspectiva dos mais novos, devemos mesmo reconhecer que este marketing moderno vai empobrecendo o que existe de mais mágico no imaginário colectivo, pois vão sendo cada vez mais escassos os heróis, as personagens incrivelmente belas e os contos que fazem sonhar.

A estética dos iconoclastas que tentam apagar as identidades e desconstruir as convenções e os valores da sociedade resulta invariavelmente em mais discórdia e polarização, ao contrário do que é desejável numa sociedade coesa. Seja na falta de estima por símbolos nacionais, no culto da fealdade a nível arquitetónico, ou até no marketing comercial comprometido ideologicamente com causas residuais e fracturantes, evidencia-se uma generalizada indiferença e despreocupação dos seus “autores” em relação aos sentimentos e ao bem-estar da comunidade.

Não existe o propósito de inspirar e unir, mas apenas de criar produtos descartáveis, nivelar por baixo, servir agendas temporárias, desmoralizar os espíritos atomizados e desmantelar a harmonia do passado.

Bem sabemos que os povos não são todos iguais e que o português é muito dado a conformismos, mas ainda deve existir uma ponta de bom senso e rebeldia que nos faça vencer o vazio e a vulgaridade através daquilo que é autêntico, admirável e duradouro.

Pequenos actos individuais podem fazer a diferença no dia-a-dia, ao escolher exibir uma estética que eleve o espírito, ao elogiar publicamente aquilo que é belo, ao preferir o que é fruto do empenho, do sacrifício e da persistência. Do mais simples madeiro de Natal à mais grandiosa catedral, o regresso a casa será sempre o preferido por qualquer pessoa sã que aí encontra a verdadeira gratificação e segurança.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.