A autoproclamação de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela constituiu um desafio não apenas para Nicolás Maduro, mas para a comunidade internacional. Um desafio que parece revisitar os tempos da guerra fria, ainda que com a entrada em cena de um novo protagonista, a República Popular da China.

Na verdade, o país liderado por Xi Jinping fez questão de tomar partido na contenda. Colocou-se, tal como a Rússia de Putin, ao lado de Maduro. Uma reação esperada tendo em conta os interesses geoestratégicos e económicos, uma vez que os EUA tinham sido lestos na manifestação de apoio a Guaidó.

Estados Unidos que, como nos tempos da guerra fria, viram uma parte considerável dos países da União Europeia colocarem-se do seu lado da barricada. Mesmo países que tinham mantido um relacionamento muito amistoso com o regime ditatorial de Hugo Chávez e de Maduro e não apenas visando a defesa dos interesses das respetivas diásporas em terras venezuelanas. Uma lista de que Portugal e a Espanha fazem parte. Uma responsabilidade acrescida pelo passado colonial e pós-colonial ibérico no subcontinente.

Uma lista que também integra a França, país que se sentiu ofendido quando o primeiro-ministro adjunto italiano, Luigi di Maio, recebeu os representantes dos coletes amarelos que têm colocado o hexágono em polvorosa. Macron considerou inaceitável essa intromissão populista estrangeira. Uma atitude semelhante àquela que Maduro tem publicamente assumido, uma vez que, na sua ótica, o que está em curso na Venezuela é uma tentativa de golpe de estado liderada pelos EUA.

Face ao exposto, não é difícil prever que a crise venezuelana tem tendência a agravar-se. Cada uma das partes – e respetivos apoiantes – está certa de que a razão lhe assiste. Maduro nem quer ouvir falar de eleições presidenciais. Sente-se legitimado no poder, uma vez que recusa ter cometido fraude eleitoral. Promete novas eleições legislativas. Aquelas cujo resultado lhe foi desfavorável.

Guaidó exige a demissão do atual presidente e o início do processo destinado a garantir que a nova eleição presidencial será democrática. Fala na necessidade de união. Só que recusa qualquer diálogo com Maduro e com os seus apoiantes. Por isso, a unidade não se afigura fácil.

O regime, assente no apoio das forças armadas, soube usar o petróleo para subsidiar a pobreza e distribuir benesses pelos militares. A sua influência está longe de se reduzir aos quartéis. Espraia-se pelos vários setores que o Estado omnipresente lhes abriu. Uma situação que ajuda a explicar a manutenção da ditadura dita bolivariana.

Com o apoio de mais de quatro dezenas de países, Guaidó não demorou a nomear representantes em vários deles. Uma situação que o Direito Internacional terá dificuldade em enquadrar, uma vez que a Venezuela continua a manter os embaixadores nomeados pelo regime. Tal como não vai ser fácil saber se os governos estrangeiros podem aceitar os pedidos de Guaidó para congelarem as contas do regime.

Enquanto isso, a maioria dos venezuelanos vive em condições infra-humanas. Falta tudo. Sobra a indigência e a insegurança. A ajuda humanitária não chega ao destino. Maduro vê nela uma forma disfarçada de invasão. A História mostra que um dos perigos de uma ditadura é que a dita dura e nunca se assume como tal.