Reflectir sobre o nosso compromisso político e moral com o nosso tempo histórico implica, necessariamente, pensar sobre o massacre que está a ocorrer em Gaza. Urge, no agora, colocar um termo ao massacre do povo palestino. Ou seja, passarmos de um estado de indignação com a situação de Gaza para uma revolta colectiva. Porque este acontecimento estará, inevitavelmente, inscrito na nossa consciência colectiva enquanto comunidade menos humana, em cada morte em Gaza.
Estamos, assim, num tempo de desrazão e de desamor pela dor e pela morte dos inocentes em Gaza. Só por isso não levantamos a nossa voz e, em unidade, gritamos bem alto “basta”, e não aceitamos mais nenhuma morte em Gaza. O nosso silêncio acaba por ser cúmplice do massacre que estamos a observar de Gaza, através das imagens do horror que entram, todos os dias, em nossas casas.
Poderia ensaiar uma explicação teórica da postura do Estado, enquanto actor político, na arena internacional. Este exercício ainda é feito por alguns analistas que procuram suportar a postura de Israel, através de uma adesão à teoria realista das Relações Internacionais.
Mas, a situação de Gaza já não assenta em nenhuma teorização académica séria e moralmente aceitável. Um massacre da população civil, em Gaza, não tem suporte académico.
Nenhuma teoria política e de poder do Estado moderno (depois da Segunda Guerra Mundial) comporta o genocídio de uma população, como um acto racional, explicável e aceitável do ponto visto teórico.
Passamos, assim, de um estado de necropolítica (descrito por Achille Mbembe), que foi eficiente na edificação de uma zona de indistinção e no qual imperava, efectivamente, um regime de morte e de vida por decisão do Estado de Israel, para um estado de barbárie humana. Neste estado, as autoridades do Estado de Israel passaram a matar indiscriminadamente qualquer vida em Gaza, sem temor das consequências políticas e jurídicas.
De Gaza chega o choro e a lágrima caída; a vida desfeita em pedaços, o sangue desfeito em lágrimas frias e os sons da morte que ensombram o céu e a terra em cemitério de esquecimento.
As mortes são meras expressões numéricas e comportam a abstracção estatística. O tempo corre e a morte chega no despertar em Gaza.
Gaza é jazida da nossa covardia colectiva. Tenho vergonha da minha omissão e dos meus pecados com Gaza. Nem sequer esta crónica é um gesto de remissão dos meus pecados com Gaza.