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Vice-presidente da Younited: “Igualdade de género deve começar na escolarização”

“Existem mulheres extremamente qualificadas no mundo dos negócios em Portugal, mas acredito que é necessário tornar esta presença mais visível nos cargos de topo das empresas”, confessou a vice-presidente da Younited para Portugal.
8 Março 2022, 20h45

No âmbito do Dia Internacional da Mulher, o Jornal Económico falou com Annie Criscenti, uma das poucas mulheres líderes do sector das fintech em Portugal. Annie é vice-presidente executiva Younited em Portugal, plataforma de empréstimos ao consumidor.

Sendo o mercado financeiro ainda muito dominado por homens em Portugal (Paulo Macedo na CGD, António Ramalho no Novo Banco ou Miguel Maya no BCP) ou mesmo o mercado das fintech no mundo (Nikolay Storonsky na Revolut, Jack Dorsey na Square ou Eric Jing na Ant Financial), o JE quis perceber a visão de uma mulher com todas as qualificações que se conseguiu ‘infiltrar’ no mundo dos homens, bem como os principais desafios enfrentados.

O sector financeiro ainda é predominantemente dominado por homens. O que pode fazer este sector mudar numa altura em que os direitos das mulheres são tão evidenciados?

Uma empresa onde há mais diversidade em todos os níveis é uma empresa que tem uma maior capacidade para compreender e criar soluções e produtos para todos os mercados – isto é um facto. É amplamente reconhecido que no setor financeiro, e em particular nas fintech, a igualdade de género é um problema: existem poucas mulheres a trabalhar no setor, a maior parte das empresas não tem fundadoras ou líderes femininas e as mulheres estão subrepresentadas na base de utilizadores de produtos fintech. Isto acontece por vários motivos, sobre os quais estamos agora mais conscientes.

Criar mudanças nas indústrias que atribuem grande valor aos papéis e identidades de género pode ser uma verdadeira batalha, e é uma batalha que as mulheres não devem ter de enfrentar sozinhas. Para além de processos e políticas de recrutamento transparentes e igualitários, acredito que a forma mais subvalorizada de mudar a cultura organizacional vigente é aquela que qualquer pessoa pode fazer – apoiar as suas colegas mulheres na indústria. Na Younited Portugal todas as posições de gestores de equipa são ocupadas por mulheres, e todas elas foram promovidas internamente. De facto, a situação torna-se mais complexa quando falamos de cargos ao nível da direção executiva, onde ainda há um “teto de vidro” a quebrar.  Mesmo neste nível, a Younited Iberia é um desvio positivo em relação à média padrão: na nossa equipa de gestão sénior, as mulheres representam 60%!

Quais os principais desafios de trabalhar num sector dominado por homens?

Ter consciência de que o sector financeiro é maioritariamente dominado por homens não significa ser complacente com este facto. Aliás, é exatamente o oposto – só quando conhecemos os factos é que os podemos mudar. Para mim, o maior desafio e, ao mesmo tempo, a minha maior responsabilidade ao trabalhar nesta indústria é exatamente inverter o paradigma e introduzir políticas em prol de uma maior igualdade e diversidade.

Continuam a existir obstáculos à entrada e progressão das mulheres nos mais diversos sectores e acredito, por isso, que é importante dar voz às mulheres, trazê-las para o “palco principal” e criar uma rede que as apoie ao longo de todas as fases da sua vida profissional e pessoal. Não há soluções perfeitas, e embora existam razões para pensar que estamos, enquanto sociedade, a avançar na direção certa, muitas mulheres ainda não estão a sentir os benefícios. Precisamos de começar a aplicar os mesmos princípios para resolver estes desafios, como fazemos com os nossos produtos: testar e aprender. O primeiro passo é fazer um esforço consciente par alcançar a igualdade de género nas empresas. Depois podemos começar a identificar o que está a funcionar.

Numa perspetiva mais pessoal, foi fácil entrar neste mercado onde o sexo masculino ainda  domina?

Em toda a minha experiência profissional sempre senti que a igualdade de género era um valor bem estabelecido em todos os processos de contratação e sucessão. Enquanto deputy CEO da Younited Portugal, olho para os “telhados de vidro” que, de certa forma, quebrei e percebo a importância de (1) colocar-me no centro da ação, com uma ideia clara dos meus objetivos, (2) procurar figuras que eu veja como exemplo e tentar aprender com a sua experiência, (3) reconhecer o meu valor e, principalmente (4) partilhar o meu conhecimento para que mais mulheres possam alcançar o sucesso.

Sei que nem todos os percursos são iguais e que o que alcançamos está, muitas vezes, condicionado à partida por uma série de fatores completamente fora do nosso controlo. Espero que no futuro não haja sequer necessidade de existir uma distinção entre “indústrias dominadas por homens” e as “outras indústrias” e que as mulheres se sintam confortáveis e seguras na hora de escolher o seu percurso profissional, independentemente do setor.

Quais as mudanças mais urgentes de realizar neste sector em Portugal?

Para além da promoção de uma maior literacia financeira, um dos pontos mais críticos que precisamos, atualmente, de prestar atenção é ao desenvolvimento de políticas de igualde de género nas empresas em Portugal – o que representa um assunto transversal a todos os setores de negócio. O Índice de Igualdade de Género 2021, publicado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) mostra que o país ainda tem um longo caminho a percorrer neste ponto, mas destaca, pela positiva, o trabalho que o país tem feito para promover a representação feminina na liderança corporativa. De acordo com este relatório, sete Estados-membros tomaram medidas legislativas para retificar o desequilíbrio de género, estabelecendo quotas para um nível mínimo de representação e Portugal está nesse grupo com a imposição de 33%, a par da Bélgica.

No entanto, em Portugal ainda dois em cada três membros dos conselhos de administração de empresas de topo são homens, o que não está alinhado nem com o que deviam ser os nossos objetivos nem com o que podemos observar na nossa sociedade. Quando as mudanças não surgem de forma natural, seja no sector financeiro ou outro, não podemos ficar à espera durante mais dez anos até chegarmos a uma composição de pelo menos 40% de mulheres nas salas de administração – são necessárias regras para colmatar estas lacunas. Acredito que o paradigma mais eficaz agora é reforçar a regulamentação tanto a nível nacional como europeu.

Tendo vivido em vários países, como se compara a igualdade de género no sector financeiro português ou outros países?

Existem mulheres extremamente qualificadas no mundo dos negócios em Portugal, mas acredito que é necessário tornar esta presença mais visível nos cargos de topo das empresas. Segundo a Eurostat, a taxa de empregabilidade das mulheres em Portugal tem vindo a registar um crescimento constante nas últimas décadas. A mesma fonte indica que a taxa de emprego de mulheres entre os 20 e os 49 anos com um filho até aos seis anos (82%) era a mais elevada em relação a outros países da Europa, o que é, sem dúvida um bom indicador do trabalho que estamos a desenvolver em prol de uma maior igualdade de género.

No entanto, o World Economic Forum diz-nos que, apesar destes bons resultados, apenas 16,2% das mulheres em Portugal ocupam um cargo executivo – e o sector financeiro não é exceção. Ainda enfrentamos alguns obstáculos culturais na representação real das mulheres nas salas de administração, se olharmos para os países do Norte da Europa versus os países do Sul. Países que defenderam e se dedicaram a uma regulamentação séria, como a Noruega ou a França, alcançaram uma igualdade de género notável em poucos anos e esse é o caminho a seguir para não esperar outra década para finalmente alcançar uma verdadeira diversidade de género em posições de liderança, especialmente a nível do conselho de administração. Devemos olhar, de forma global, para a igualdade de género como uma questão de direitos humanos.

O que deve ser feito para a liderança ser mais feminina num futuro próximo?

Na Younited defendemos que a igualdade de género nas empresas tem de ser desenvolvida de forma integral, desde o início da escolarização até à entrada e evolução no mercado de trabalho. Considero que é extremamente crucial garantir, desde logo, o igual acesso a oportunidades escolares, fomentar a atratividade de jovens mulheres em áreas de formação onde estão estruturalmente subrerepresentadas e mitigar os estereótipos de género que possam estar associados a algumas profissões e setores.

De forma mais concreta, é necessário criar planos de sucessão e de desenvolvimento para líderes femininas, ao estabelecer um plano de carreira concreto para apoiar o seu crescimento para funções executivas. Para além disso, é crucial não só favorecer uma abordagem assente na diversidade de género em cada processo de contratação, especialmente para cargos de liderança, como privilegiar parceiros e fornecedores que incorporem a diversidade de género nos seus conselhos de administração. As empresas que defendem a igualdade de género nos seus processos de tomada de decisão acabam por ter um desempenho muito melhor.

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