Os últimos tempos surpreenderam a sociedade com desafios que obrigaram à descoberta de soluções para uma série de problemas práticos, como sucede em qualquer momento de crise.

Ainda que provisoriamente, foram alterados hábitos e métodos de trabalho, de consumo, de convívio social, de culto, de lazer e, transversal a todas estas áreas, foi alterada também, em alguma medida, a gestão da vida familiar. A propósito deste último aspecto, ouve-se com frequência que os confinamentos têm sido particularmente duros para as mulheres, que dividem esforços entre o trabalho e as responsabilidades domésticas. Concedo que possa ser verdade.

Concedo que as mulheres que trabalham por necessidade, em condições laborais pouco aliciantes e que conciliam actividade laboral com as actividades do lar, sentem um fardo insustentável no seu dia-a-dia. Discordo, no entanto, que essa condição concreta, economicamente disfuncional e que leva ao desgaste físico e emocional, possa ser melhorada pela narrativa feminista. A narrativa que imagina que essa acumulação surreal de funções foi engendrada por instituições e normas masculinas orientadas para sugarem toda a energia da mulher e lhe negaram a recompensa devida.

Pelo contrário, considero que essa situação é resultado de uma dissonância entre as inclinações biológicas, normas sociais igualitárias e precariedade num país pouco produtivo.

Uma mulher que procura concretizar o seu apelo maternal, ao mesmo tempo que se sente moralmente compelida a cumprir as metas feministas que prometem prestígio social e, por fim, que pretenda manter um padrão de vida digno para si e para sua família, vê-se forçada a fazer um investimento inédito em várias frentes. Primeiro, porque um rendimento por agregado tornou-se muitas vezes insuficiente e, segundo, porque não investir no mercado laboral passou a ser desprestigiante à luz da moral feminista.

O desfasamento temporal das mudanças culturais e as limitações financeiras do nosso país, a que acresce a carência de fornecedores alternativos estatais ou de mercado para colmatar as funções familiares, põe a nu as tensões inevitáveis da condição actual das mulheres nesta encruzilhada. Talvez por isso mesmo, nem todas as pessoas se deixem levar pelas tentativas de derrubar atitudes e significados que deram estabilidade e referências funcionais à vida social. Talvez por prevalecer alguma noção de que a natureza impõe a sua força implacável sobre homens e mulheres e que a família é uma instituição basilar que depende da confiança mútua para garantir a sobrevivência colectiva.

Ainda assim, a promoção de ideais feministas faz o seu caminho, encorajando as mulheres a recuarem no investimento reprodutivo, a temerem o envolvimento numa cooperação conjugal e a verem na legislação e na mercantilização da sua força de trabalho uma tábua de salvação. Nas sociedades ocidentais em geral, predomina uma tendência no debate político que reivindica medidas políticas orientadas para a concretização de “igualdade de género”, sobretudo através da maior emancipação da mulher face às funções familiares. A meta é a integração a tempo integral no mercado de trabalho. O sacrifício que se exige é a família.

No final, seja perante adversidade económica e eventual recuo assistencialista, seja no meio de um inebriante usufruto de conforto material, restará o confronto com a realidade da menorização pessoal e da perda de oportunidades de desenvolvimento pleno das vocações familiares. E a vida na sombra do feminismo é solitária, rica ou pobre, sórdida, brutal e longa, terrivelmente longa.