O TC Espanhol foi recentemente chamado a apreciar a seguinte situação: (i) no seguimento de suspeitas de apropriação ilegítima de dinheiro por parte (de algum) dos seus trabalhadores, numa das suas lojas, o empregador decidiu instalar câmaras de videovigilância com incidência direta e permanente sobre a caixa registadora desse estabelecimento comercial; (ii) o empregador não comunicou especificamente aos trabalhadores a instalação destas câmaras, nem tão-pouco os fins visados com a recolha das imagens; (iii) na montra da loja encontrava-se afixado um aviso identificativo da existência de videovigilância; (iv) o visionamento das imagens recolhidas pelo empregador revelou a apropriação ilegítima de fundos de caixa por um dos trabalhadores da loja, em diversas datas, de forma habitual, e através de operações de «falsas devoluções de artigos»; (vi) o trabalhador identificado nesses atos foi despedido com justa causa e impugnou o despedimento alegando, designadamente, a nulidade da prova obtida por violação do direito à honra, intimidade e dignidade (Sentencia 39/2016, de 3-3-2006).
Em Espanha, o empregador pode adotar as medidas que considere mais oportunas de vigilância e controlo para verificar o cumprimento por parte do trabalhador dos seus deveres laborais, mas não pode violar os direitos fundamentais dos trabalhadores. Assim, parece que o empregador está autorizado a utilizar câmaras de videovigilância para controlar o desempenho dos trabalhadores, desde que respeite as regras de proteção e tutela dos dados pessoais, nomeadamente o dever de informar o trabalhador sobre o tratamento de dados pessoais, de modo expresso, preciso e inequívoco.
Embora com dois votos de vencido, o TC Espanhol entendeu que o empregador não necessitava do consentimento expresso do trabalhador para tratar as imagens obtidas através das câmaras, por estar em causa uma medida de controlo do cumprimento da relação laboral que se inclui nos poderes de direção do empregador, autorizada pelo artigo 20.º, n.º3, do Estatuto dos Trabalhadores, e que dispensa a prestação de consentimento relativamente ao tratamento dos dados pessoais, pelo próprio titular dos dados. Invertendo a sua posição, o TC Espanhol entendeu ainda que a informação genérica da existência de videovigilância afixada na montra da loja era suficiente para assegurar o direito de informação dos trabalhadores, sem que o empregador fosse obrigado a comunicar a finalidade exata da instalação das câmaras. Por último, segundo o TC Espanhol, a medida de instalação de uma câmara de videovigilância adotada pelo empregador superava o derradeiro teste da proporcionalidade, indispensável em caso de conflito entre direitos fundamentais, porquanto, perante as suspeitas, a medida se afigurava idónea às finalidades pretendidas (confirmar a infração, o infrator e reagir disciplinarmente), foi necessária (as imagens serviriam como meio de prova) e equilibrada (a gravação circunscrevia-se à zona da caixa).
Esta solução é transponível para Portugal? Entre nós, a utilização de meios de vigilância à distância (v.g. videovigilância) no local de trabalho é permitida apenas em caso excecionais (v.g. para promover a segurança de pessoas e bens), mas não com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
Mesmo quando autorizadas pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, os tribunais portugueses têm censurado formas de videovigilância diretamente dirigida aos postos de trabalho, privilegiando formas de vigilância genérica destinadas a detetar situações ou acontecimentos incidentais (v.g. Ac. STJ (FERNANDES CADILHA), 8-2-2006). Por outro lado, ainda que as imagens captadas pela videovigilância confirmem uma atuação ilícita do próprio trabalhador, atentatória da finalidade para as quais as câmaras foram instaladas (v.g. segurança de bens), a possibilidade de utilização dessas imagens em processo disciplinar tem sido escassamente admitida pelos tribunais.
Todavia, quando existam fundadas suspeitas de comportamentos adotados no local de trabalho que podem constituir ilícito disciplinar grave, não poderá o empregador recorrer a meios de vigilância à distância? O objetivo de confirmar a prática de, por exemplo, furtos constitui apenas um mero exercício de controlo do desempenho profissional do trabalhador ou trata-se de garantir a proteção de pessoas e bens (do empregador, de colegas de trabalho ou de terceiros)? Nestes casos, poderá o trabalhador resguardar-se sob a proteção do direito à intimidade?
As respostas não são fáceis, mas devem atender sempre às circunstâncias do caso concreto.
David Carvalho Martins e Inês Garcia Beato
Advogados do dep. de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo em Portugal