O “Público” de 5 de Março de 2021 tem uma declaração lapidar do primeiro-ministro: “Não tenho dúvida nenhuma de que esta crise foi o maior atestado do falhanço das visões neoliberais”.

É lamentável que toda esta convicção não tenha correspondência nas medidas do Governo PS de resposta aos prejuízos e outros problemas causados pela Covid. Todas as respostas estiveram e continuam a estar condicionadas pela matriz neoliberal que conduz e condiciona a política do Ministério das Finanças. Nomeadamente a gestão do défice orçamental e da dívida pública, que nunca largou da mão os critérios do Pacto Orçamental, apesar dos muitos e diversos lembretes sobre a necessária flexibilização da gestão orçamental na presente situação de crise.

Sentenças vindas da própria União Europeia, do Fundo Monetário Internacional e de ilustres personalidades insuspeitas de anti-neoliberalismo. “Mais papista que o papa”, assim se poderia classificar quem conduziu ao escândalo da execução orçamental de 2020.

As consequências são particularmente graves nas respostas às micro, pequenas e médias empresas e que nos atiram para o grupo de países que menos apoiam as suas empresas. E tem valido tudo para alcançar esse desiderato: valores ridículos de apoios; estabelecimento de critérios restritivos/limitadores na legislação de acesso aos apoios; regulamentação tardia e/ou subvertendo as decisões da Assembleia da República; alongamento de prazos entre a decisão e a abertura das candidaturas; formulários de candidatura restringindo candidatos e acessos; ausência de resposta a dificuldades burocráticas ou a contestações de decisões negativas; enormes delongas nos pagamentos das ajudas, etc., etc., etc.

Para cúmulo, o Governo tem vindo a cobrir a ridícula despesa pública efectiva dos apoios às MPME com uma fraudulenta propaganda sobre o volume real das ajudas, através do truque de juntar às verbas gastas nos apoios a fundo perdido o volume das linhas de crédito criadas, o volume das garantias anunciadas e o volume dos impostos de que deferiu o pagamento ou estabeleceu regimes prestacionais de pagamento.

É notável ver jornais e outros órgãos de informação continuarem a encher títulos, manchetes e primeiras páginas com milhares de milhões de euros que nunca serão custos efectivos do Estado! Os 22,9 mil milhões de euros referidos como despesa em 2020, os 14,1 mil milhões de euros dos apoios anunciados em Janeiro, ou os agora publicitados 7,2 mil milhões são quase só propaganda! Destes últimos, 6,1 mil milhões respeitam a adiamento de impostos! 300 milhões dizem respeito a linhas de crédito!

É fácil perceber que estas “ajudas” podem resolver problemas de tesouraria das empresas, mas no fundamental limitam-se a empurrar os problemas para a frente dado não significarem qualquer atenuação ou ressarcir de prejuízos.

A mesma visão neoliberal a que o primeiro-ministro passou um atestado de falhanço está presente na decisão de reprivatizar a Efacec, ou a cumplicidade activa com a Galp no encerramento da Refinaria de Matosinhos e com a EDP no fecho da Central Termoeléctrica de Sines e na venda de barragens no Douro. A mesma visão na passiva e insuportável aceitação de que sejam os tecnocratas de Bruxelas a decidir se o país faz ou não mais estradas ou constrói mais uma barragem!

António Costa não ignora o que é o neoliberalismo… Registe-se: PSD, CDS e muitos outros à direita agradecem. Não contestam, exigem essa visão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.