A realização das eleições legislativas em finais do ano passado empurrou a discussão sobre o Orçamento para 2020, já sem geringonça, para os princípios deste ano. O debate orçamental, sempre polémico e no centro das atenções dos agentes económicos e cidadãos, tem sido amplamente publicitado face a um elevado e quase anormal conjunto de propostas apresentadas pela oposição e a ténue maioria que o PS tem no Parlamento.
O Governo liderado nestas discussões políticas pelo primeiro-ministro esconde o ministro das Finanças perante a necessidade de alinhavar soluções num regresso à casa da esquerda, não obstante os esforços de António Costa mostrar que o novo alinhamento político lhe daria outro espaço e outro lastro para garantir a aprovação sem mácula da sua proposta.
As negociações acordadas com os partidos da esquerda confirmam que a geringonça mesmo não escrita subsiste. E que a agenda do BE e PCP se sobrepõe à estratégia do ministro Mário Centeno mesmo que se tratem de medidas parcelares para demonstrar a sua autonomia e pôr o Governo em sentido.
Para além das questões que têm sido profundamente debatidas, como a redução do IVA na eletricidade ou o momento da concretização da atualização extraordinária de pensões, há duas medidas cujos efeitos demonstram uma sobranceria e espírito de desistência a par da falta de estratégia socialista. Trata-se da alteração ao regime dos Vistos Gold e da fixação de uma taxa de 10% sobre o regime fiscal dos residentes não habituais (i.e. os benefícios dos pensionistas estrangeiros em Portugal).
Ambas resultam de pressão exercida por terceiros – partidos e alguns parceiros europeus – que protestaram pelo regime fiscal mais favorável do que no seu país. Esta atitude que o Governo não quis assumir e que mandatou os deputados para apresentarem, ilustra uma capitulação perante a pressão. Incompreensível a resposta socialista, em contraste com a continuada concessão de benefícios no investimento externo.
Quer uma solução, quer a outra representam instrumentos de competitividade da economia portuguesa para estrangeiros, individualmente considerados. Num caso atraindo valores significativos para investimento particularmente bem-sucedido na revitalização do então moribundo mercado imobiliário em 2012, o que proporcionou grande parte da reabilitação urbana – principalmente na cidade de Lisboa e ainda iniciada com António Costa como presidente da Câmara Municipal.
A questão do regime fiscal dos não residentes abriu a porta à entrada de um vasto conjunto de cidadãos de vários países que, beneficiando de isenção fiscal, trouxe em simultâneo investimento direto e indireto e impulso ao consumo.
Em qualquer dos casos, as justificações não fazem sentido. O protesto de parceiros europeus tropeça no silêncio que muitos mantêm sobre a manutenção de paraísos fiscais na Europa e a opção de outros com taxas competitivas para atração de empresas que o PS nunca quis assumir, apesar de o ter negociado em 2014 na reforma do IRC. Já os Vistos Gold, alterando apenas para investimento no interior, na prática vai acabar com o regime não apenas em função do valor mas igualmente do suporte de atração dos estrangeiros para o interior, o que parecendo virtuoso não passará de mera declaração de boa vontade.
Portugal mais uma vez se dobra perante terceiros, farto de receber estrangeiros com potencialidade de contribuir para a economia nacional. Isto quando ninguém demonstrou alguma perda no atual sistema. Demonstramos tiques de país rico, capazes de prescindir unilateralmente de investimento, sem qualquer compensação para os cofres nacionais. Mais uma medalha de lata para o orgulho nacional.