A pandemia tem provocado, desde março de 2020, impactos como: degradação do saldo orçamental; incremento da dívida pública; contração do PIB; aumento das dificuldades para as empresas e famílias; e agravamento da taxa de desemprego.
Para a recuperação económica e social do país, é necessário separar aquilo que são problemas de índole conjuntural dos de natureza estrutural, que já perduravam na pré-pandemia, destacando-se: o nível de produtividade, muito abaixo da média da UE e da OCDE; o endividamento de famílias, empresas e estado, totalizando cerca de 350% do PIB; e o nível de poupança interna, três vezes abaixo da média da zona euro.
Quando nos preparamos para receber vultuosas subvenções europeias, devemos privilegiar aquilo que são ações inadiáveis e que incontornavelmente afetarão o futuro do país e, consequentemente, do setor da construção e do imobiliário.
O quadro financeiro plurianual e o fundo de recuperação europeu, em conjunto com o encerramento do PT2020, deverão garantir a Portugal, em média, cerca de seis mil milhões de euros por ano no horizonte 2030. É sabido, contudo, que as medidas delineadas já foram contempladas em planos de fomento de governos anteriores, e mais recentemente no QREN e no PT2020, e que nunca se conseguiram executar integralmente.
Para posicionar adequadamente o país perante o novo ciclo de fundos comunitários, é imperativo realizar o planeamento e calendarização do investimento estruturante, pois só assim as entidades públicas responsáveis, e os agentes económicos em particular, conseguirão preparar-se adequadamente, conhecendo o volume, o tipo de obras e a forma como vão ser lançadas e realizadas.
O sucesso dos grandes investimentos previstos pressupõe também o conhecimento prévio do nível de maturidade dos projetos alvo de financiamento, bem como da sua viabilidade técnica, económica e financeira, do seu impacto territorial e ambiental, e ainda do seu enquadramento orçamental e respetivo modelo de contratação. Com isto, deverá sobretudo privilegiar-se a decisão em detrimento do overthinking, dado que o custo de perpetuar discussões, como o TGV e o aeroporto, é demasiado elevado, em termos financeiros e de custos de oportunidade.
Face a um nível de fundos sem precedentes, estaremos potencialmente numa situação de meios limitados face às necessidades, tendo as empresas nacionais que mobilizar um esforço conjunto para se poderem dimensionar, capacitar e posicionar de forma competitiva perante as suas concorrentes internacionais.
De salientar, contudo, que os fundos europeus não são dinheiro garantido. É preciso primeiro estabilizar objetivos e cumprir um conjunto de condicionalidades para então conseguir os reembolsos pretendidos, considerando os necessários mecanismos de escrutínio sobre a boa aplicação dos financiamentos atribuídos e da transparência das operações. Prevê-se que o dinheiro da vitamina europeia comece a chegar em junho de 2021, pelo que o tempo para garantir a adequada preparação escasseia.
Tornar as infraestruturas mais robustas e resilientes, adaptar os edifícios a novas exigências de eficiência energética, segurança e qualidade do ar, são alguns dos desafios mais imediatos, assim como a transição para uma realidade mais digital, a sustentabilidade, a mobilidade urbana, a conetividade em infraestruturas públicas, e o combate às alterações climáticas. A coesão territorial deve ser assegurada, adotando políticas de incentivo ao investimento no interior, como criar benefícios fiscais, fixar clusters industriais, e garantir a existência e manutenção das infraestruturas necessárias.
A década 2021-2030 constitui uma oportunidade única para o setor da construção e imobiliário, que expectavelmente será impulsionado com investimento estruturante contemplando múltiplas dimensões, destacando-se a modernização das infraestruturas e o aumento da resiliência do território face às alterações climáticas.
Todavia, o sucesso dos anos vindouros estará comprometido caso não sejam atendidos problemas não só conjunturais, mas sobretudo estruturais, que condicionam o investimento e a capacidade produtiva, e caso não sejam adotados os mecanismos de implementação e controlo mais adequados na aplicação dos fundos.