À laia do disclaimer já tradicional, declaro que não sou candidata a qualquer órgão da Ordem dos Advogados e que nunca existiu campanha eleitoral que me despertasse maior fastio que a que agora decorreu. Há um evidente divórcio entre a Ordem e os que aquela afirma representar, a que seguramente não é alheia a postura (ou falta dela) dos seus actuais dirigentes, em especial dos membros do Conselho Geral. Umas almas que auferem salários e reformas em simultâneo e cuja utilidade prática não é reconhecida pelos pares deviam recolher-se aos seus escritórios e dar lugar a outros.
Não é o caso. Aqui nunca será o caso. No dia em que estas linhas forem publicadas será eleito, espero eu, um novo Bastonário, que não poderá deixar de olhar para a situação de todos os advogados, em vez de pautar a sua actividade exclusivamente pela presença em inaugurações de escritórios de grandes sociedades e noutros eventos sociais de idêntico calibre.
O país ficou chocado com a história de uma advogada, Sandra, que, num espaço de semanas, descobriu que estava grávida e que tinha cancro de mama, sendo que as únicas notícias que obteve do sistema que é suposto protegê-la foram as cartas de cobrança das contribuições. Atrás desta Sandra, existem muitas outras e outros, cujos nomes ficam no esquecimento dos membros da Direcção da CPAS, varridos para debaixo de um tapete, para não se estragar a operação de cosmética que justifica umas quantas senhas de presença.
Nos dias que correm, um advogado não se pode dar ao luxo de ficar doente e, até, de morrer, como ficou expresso num acórdão onde se veio a considerar que, mesmo assim, o “escritório” teria obrigação de cumprir um prazo. De profissionais liberais, quando o somos, passámos a escravos de um sistema, em que somos os únicos a ter de cumprir. Para os que não sabem, os advogados não têm direito a baixas médicas por doença, mantendo-se, no período de recuperação, o dever de pagarem contribuições que, para mais, não estão indexadas aos seus reais recebimentos.
No ano passado, os advogados declararam não aguentarem mais e fizeram-se ouvir. Mesmo perante uma manifestação com uma presença de advogados expressiva, a atitude dos actuais dirigentes da Ordem foi a de, entre outros, chamarem os que saíram à rua de “carenciados”, vindo-se depois a descobrir que quem proferiu tais enormidades recebe não apenas o salário pelo exercício, alegadamente em exclusivo, do cargo de bastonário como a reforma da própria CPAS.
A Sandra, quero acreditar, viverá, muito para além da CPAS. Contudo, todos nós, Sandra incluída, morremos todos os dias um bocadinho, sabendo que a nossa Caixa só se recorda de nós quando nos pretende cobrar. Dizem que não há bem que sempre dure mas, na minha perspectiva, o relevante é que este mal finde. Ontem já era tarde demais.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.