Com o aparente sucesso da vacinação e o progressivo desconfinamento, o mundo regressa à normalidade.

Se é normalidade: depois da queda recorde de atividade económica em 2020, seguem-se previsões também recorde para 2021: no Reino Unido, p. ex., o PIB caiu praticamente 10%, a maior queda desde 1709, e irá crescer mais de 7%, o ritmo mais forte desde 1949. No primeiro trimestre do próximo ano estaremos na Europa aos níveis de antes da crise, ou seja, perdemos dois anos. Mas a verdadeira questão é: que marcas vão ficar?

A crise do coronavírus acelerou o desenvolvimento do comércio eletrónico e a adoção do teletrabalho e fez explodir o negócio da distribuição, logística e entregas. O confinamento reforçou o papel das redes sociais e fez surgir novas atividades, como as dark kitchens – o negócio da restauração não voltará a ser como dantes. Habituámo-nos a passar mais tempo em casa. Mas uma mudança importante vai ser na política económica, entre o que já acontecia e o que a crise provocou.

A desmaterialização do dinheiro tomou nova dimensão, com a necessidade de reduzir contactos, e isto não vai voltar atrás.

Paralelamente, a maneira como foi atirado dinheiro para cima do problema e os receios da inflação que pode provocar facilitaram a adoção das moedas digitais, e expuseram vulnerabilidades: no dia em que Elon Musk diz que ia adquirir 1,5 mil milhões de dólares de bitcoin, o valor desta moeda dispara; poucos meses depois diz que a vai deixar por os brutais custos energéticos a tornarem inimiga do ambiente (o que se sabe há anos) e ela cai 17% em quatro dias – o seu valor é manipulável, e resta saber o que é pior: se ser manipulada por um Estado ou por um indivíduo.

Falando de inflação, esta é a grande questão do momento: está aí o summer of inflation? Os preços nos EUA tiveram o maior aumento desde 2008 (4,2%), que gerou as expectativas mais altas em 15 anos (2,73%, a five-year breakeven rate, diferença entre o rendimento dos títulos do Tesouro a cinco anos indexados à inflação e as bonds) e fez a cotação das tecnológicas cair 5% em meio mês.

Não surpreende, dada a dimensão dos planos de ajuda de Biden: 1,9 milhões de milhões de dólares já foram, mais 4,5 estão em discussão.

Inflação nos EUA, dada a interdependência das economias, terá consequências na Europa, a par da retoma do crescimento: é já 2% na Alemanha. Mas há quem sustente que estamos a ver um efeito de nível, não um efeito dinâmico, isto é, o aumento dos preços é temporário.

Mesmo assim, adeus às taxas de juro negativas. Porém, não é hoje que se inverterá a orientação da política monetária do BCE (ou da Fed). Com efeito, a supressão imediata dos programas de apoio e acesso ao crédito pode levar a uma subida forte do desemprego, devido à “zombificação” da economia. Em suma, pedimos desculpa por este programa, a interrupção segue dentro de uns meses.