Em termos culturais, pensou-se que bastava mudar as leis, passar a reprimir a expressão pública de certos preconceitos, esquecendo-se que também era necessário ganhar a cabeça e, acima de tudo, os corações. Hoje em dia, com a exibição pública de preconceitos por parte de políticos com grande visibilidade, o preconceito passou a poder ser expresso “às claras”.
Infelizmente, praticamente todas as formas de lidar com este fenómeno parecem são só assumir uma derrota cultural inelutável, como, em termos práticos, através do insulto, apenas estão a expandir aquela derrota.
O que é que está a ser feito para recuperar e converter as pessoas ainda presas nos grilhões do preconceito? O que está a ser tentado, a bem, para aumentar a capacidade de olhar para o Outro como igual? Praticamente nada.
Também tem que se reconhecer que alguns excessos “woke” estão a provocar uma reacção alérgica, exacerbando preconceitos (e votos) pelo outro extremo por ser, até agora, o que tem uma posição clara e pública sobre os exageros “woke”. Há, inclusive, pessoas que já tinham feito um certo caminho e que estão a voltar para trás. É necessário que os moderados percam a vergonha (ou o medo ou…) e se insurjam contra os delírios de algumas lutas culturais.
O segundo grande fracasso é o político, revelado na estagnação económica e dos rendimentos, na degradação dos serviços públicos, na corrupção e em muitos outros insucessos.
É verdade que os partidos da extrema-direita não têm soluções para estes problemas. Mas os partidos do sistema têm soluções? As que têm aplicado nas últimas décadas? É tentador desprezar os eleitores que votam por protesto, com a desculpa de que votam em partidos sem soluções. Mas têm pelo menos uma vantagem, a de ouvir os anseios de muitos eleitores esquecidos, ao ponto de terem ido buscar imensos votos à abstenção. Faz algum sentido ignorar os eleitores que regressaram às urnas?
Enquanto não houver estudos que nos esclareçam, não é possível saber em que medida os votos de protesto são mais motivados pelas questões culturais ou pelas questões políticas, mas há certamente dos dois tipos, que merecem ser atendidos. Uma coisa é certa: insultar estes eleitores não vai resolver nada, muito pelo contrário.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.