No passado dia 23 de abril foi publicado o Decreto-Lei n.º 17/2020, que define as regras do regime extraordinário de reembolsos para os viajantes que viram as suas viagens e reservas canceladas na sequência da atual pandemia de Covid-19.

Segundo o Governo, o regime excecional e temporário previsto nesse diploma “…procura encontrar um equilíbrio entre a sustentabilidade financeira dos operadores económicos e os direitos dos consumidores…”, exceto se esses operadores forem companhias aéreas, acrescentamos nós.

De facto, as regras aprovadas aplicam-se às viagens organizadas por agências de viagens e turismo, ao cancelamento de reservas em empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local e às relações entre agências de viagens e turismo, operadores de animação turística e empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local. As companhias aéreas, por outro lado, continuam totalmente sujeitas à obrigação de, no caso de cancelamento de um voo, reembolsar os passageiros na íntegra e no prazo de apenas 7 dias (cfr. Regulamento (CE) n.º 261/2004).

De acordo com as últimas estimativas da IATA, a pandemia de Covid-19 resultou, para a aviação europeia, numa quebra de tráfego de 55% e na perda de 89 mil milhões de dólares de receita. Ainda de acordo com os números desta Associação, deverão realizar-se menos 21,3 milhões de viagens envolvendo Portugal, com um impacto potencial de diminuição de 141 mil postos de trabalho e perda de criação de riqueza de 6 mil milhões de dólares. Como se estas circunstâncias não fossem suficientemente assustadoras, ainda acresce a responsabilidade de a indústria ter de reembolsar cerca de 35 mil milhões de dólares de bilhetes de voos cancelados.

Recorde-se que, de acordo com a Diretiva Europeia relativa às viagens organizadas, transposta para Portugal através do Decreto-Lei n.º 17/2018 de 8 de março, a rescisão de um contrato de viagem organizada resulta na obrigação do reembolso, pela agência de viagens e turismo, de todos os pagamentos efetuados, no prazo máximo de 14 dias – solução até agora em tudo semelhante à prevista no Regulamento (CE) n.º 261/2004 para os  casos de cancelamento de voo, com a benesse de o regime das viagens organizadas prever o dobro do prazo para se proceder ao reembolso.

Não obstante a existência de obrigações legalmente impostas e harmonizadas a nível Europeu, o Governo Português considerou – e bem – imprescindível aprovar um conjunto de medidas relativas ao setor do turismo, permitindo a substituição temporária do reembolso das quantias pagas pelo reagendamento da viagem ou pela emissão de um vale, válido até 31 de dezembro de 2021. Apenas no caso de não ser possível reagendar a viagem ou utilizar o vale até essa data é que os viajantes poderão requerer o reembolso.

Estas medidas excecionais, cuja iniciativa se saúda, consideraram-se justificadas para a proteção dos consumidores e contribuição para a manutenção do emprego com a sustentabilidade financeira dos operadores económicos do setor.

Apesar desse mesmo racional ser inteiramente aplicável ao setor do transporte aéreo, questiona-se por que razão as companhias aéreas não foram incluídas nesta legislação, ainda para mais quando o transporte aéreo é um elemento chave nesta cadeia de valor que é o turismo.

Acresce que, tal como está, esta solução resulta no tratamento desigual de duas situações semelhantes, na medida em que é possível emitir vales de viagem, ao invés de um reembolso, em caso de compra de viagens organizadas que incluem transporte aéreo, mas a mesma solução não existe naqueles casos em que o transporte seja adquirido diretamente pelo consumidor à companhia aérea.

Assim, porque a solução nos parece incompleta, e como tal desprovida de sentido, torna-se urgente considerar a possibilidade de, em substituição ao direito ao reembolso, implementar também um sistema de vales de viagem no transporte aéreo, como uma medida temporária e excecional face a esta crise sem precedentes. Apenas esta medida permitirá a manutenção do fluxo financeiro imprescindível à continuidade das operações das companhias aéreas durante um período de fôlego que se julga necessário para a estabilização da situação pandémica e económica, acautelando, em simultâneo, os direitos dos consumidores que, não obstante o contexto atual, não podem ser suprimidos ou eliminados.

Sendo certo que o Governo está limitado na sua atuação, uma vez que  estão em causa regras Europeias, urge, ainda assim, a que, à semelhança da iniciativa já tomada por outros Estados-Membros, o Estado Português exorte a Comissão Europeia para que altere o Regulamento (CE) n.º 261/2004, de forma a permitir, temporária e excecionalmente, alternativas ao direito ao reembolso, tal como configurado nesse Regulamento, assim contribuindo para a sobrevivência das companhias aéreas, sem prejuízos de maior para os passageiros.

Sem tempo, sem fôlego, sem voos e sem clientes, as companhias aéreas devem ser equiparadas aos demais operadores do setor do turismo, não podendo ser-lhes exigido que carreguem, sozinhas, o peso e consequências de uma situação à qual são totalmente alheias.