Em “About Elly” (2009), filme do realizador iraniano Ashgar Farhadi, um grupo de amigos decide passar férias numa casa semiarruinada à beira-mar. Entre os elementos do grupo, encontra-se a figura misteriosa de Elly, uma jovem solteira que atrai os olhares de Ahmad.

O que começa por ser uma situação mundana que nos oferece vislumbres dos comportamentos da sociedade iraniana, cedo se transforma numa situação de suspense absoluto e tensão com o desaparecimento de Elly. Ter-se-á afogado no mar? Terá desaparecido a meio do dia? Gradualmente, começa a desvendar-se a vida de Elly e nada é o que parece. Uma terceira hipótese começa a assombrar o espetador: ter-se-á Elly suicidado?

Confrontados com o fardo terrível da possível morte de Elly, durante 48 horas o grupo vive o sufoco dos rígidos códigos morais que dominam a República Islâmica do Irão, um país estrangulado pelo olhar sempre vigilante das autoridades religiosas. A honra de Elly torna-se o foco das tensões do filme, e o final surpreende pela sua crueldade inesperada.

Raros são os realizadores da atualidade que conseguem transformar, como Farhadi, a paisagem emocional solitária da mulher numa obra de arte. O rosto de Elly revela, por breves momentos, uma tristeza inescapável. Farhadi expõe, de uma forma subtil que por isso escapa à censura do regime iraniano, a opressão de uma sociedade patriarcal que força as mulheres à submissão.

Mas são estas mesmas mulheres iranianas que agora, mais do que nunca, estão a elevar de novo as suas vozes numa nova vaga de rejeição da imposição obrigatória do hijab, bem como do controlo do corpo das mulheres pelo Estado. Nas poucas décadas que se seguiram à Revolução Islâmica, as mulheres têm resistido a transformar-se num símbolo da islamização do país, um percurso difícil marcado por algumas frágeis conquistas.

Em 2018, têm vindo a aumentar, nas ruas, os protestos públicos silenciosos em que o hijab é retirado e transformado numa bandeira. Mas esses atos de desafio têm forçosamente um custo pessoal elevado, como estadias prolongadas na prisão.

Soube-se agora que, no passado dia 13 de junho, Nasrin Sotoudeh, advogada iraniana de direitos humanos que se tem notabilizado por se opor ao sistema judicial iraniano – e a quem foi atribuído o Prémio Sakharov pela Liberdade de Expressão em 2012 – foi levada de sua casa, detida e condenada a uma pena de cinco anos de prisão. Sotoudeh tem lutado pela defesa das ativistas que têm protestado contra o uso obrigatório do hijab, e a sua detenção é mais um passo no agravar das tensões.

No complexo contexto da sociedade iraniana pós-Revolução Islâmica, a luta pela igualdade de género é uma luta de perigo e repressão violenta, mas é importante manifestarmos solidariedade para com essas vozes femininas que não se irão silenciar facilmente. Cabe-nos a todos dar-lhes uma projeção global ainda maior, pois o combate da mulher iraniana é também o nosso combate.