Dois anos depois, ainda não se debate o suficiente sobre whistleblowing, nem acerca do regime legal que vivemos em Portugal. A Lei nº 93/2021, que transpõe a Diretiva da União Europeia de Whistleblowing, indica claramente que, atualmente, todas as entidades com mais de 50 colaboradores têm de ter um canal de denúncias, no qual os denunciantes possam alertar a entidade sobre infrações, de forma anónima, se assim o entenderem. As organizações que não cumprirem esta lei estão sob risco de serem sancionadas com multas até aos 250.000 euros. É um valor muito alto. Alto demais para continuar a ser ignorado, ou pouco debatido.
Recentemente, foi divulgado o Índice de Perceção de Corrupção 2023. Portugal está abaixo da média europeia – numa escala de 0 a 100, apresenta 61 pontos. Trago este assunto, porque está diretamente ligado à questão do whistleblowing. Como conseguir empresas mais transparentes? Como garantir que os profissionais cumprem com padrões éticos? Como incentivar uma cultura de trabalho (e da própria sociedade) mais íntegra?
Os canais de denúncia são o caminho, já que permitem alertar sobre, entre outros comportamentos (como discriminação, conflito de interesses, violação de direitos, assédio), atividades de corrupção. Porém, a aplicação da legislação tem sido muito lenta – é algo que observo diariamente, na minha atividade profissional.
Não existe sensibilização para esta temática, são poucas as entidades que, efetivamente, tomam iniciativa e permitem-se atuar de forma ativa com processos internos, cumprindo, simultaneamente, a lei. Por isso, acredito, é importante falar sobre este tema. Trazê-lo às empresas, aos gestores públicos, aos empresários. Indicar-lhes o caminho e mostrar os ganhos que têm em implementar os (obrigatórios) canais de denúncia.
De acordo com a legislação atualmente em vigor, bem como o regime sancionatório, as organizações públicas e privadas estão obrigadas a ter: um Código de Conduta, um Plano de Prevenção de Riscos e de Infrações Conexas, um Canal de Denúncias e um Plano de Formação aos colaboradores.
Não basta dar apenas um “check” num dos itens desta lista. Tem de se cumprir, de forma transversal. Tem de se abrir caminho à ética organizacional. A entidade com competência de fiscalização desta área, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), deve atuar na supervisão das entidades e garantir que estas cumprem com as suas obrigações legais. Deve, também, garantir que as mesmas têm uma efetiva proteção dos denunciantes: aqueles que atuam em boa-fé e que merecem proteção, através do seu anonimato ou de forma identificada.
Note-se, no entanto, que a importância do whistleblowing não se rege a uma questão legal. Falamos de reputação. De transparência. De comportamentos regulares, e de um ambiente seguro para trabalhar. A corrupção não se combate apenas com base numa lei que, infelizmente, está a ser aplicada de forma lenta. Mas sim através da perceção, por parte da população, da importância de combater infrações. Sem medos, sem receios de serem apontados como um “snitch” – um “bufo” em português.
Os ambientes empresariais/organizacionais devem ser seguros, implementando ações que mostrem que a cultura é íntegra e de grande transparência. Colocando-me no “papel” de uma gestora, tenho gosto que os meus stakeholders vejam que tudo o que faço, internamente, para garantir que a minha empresa tem uma cultura responsável e ética, e que os meus colaboradores estão atentos e prontos a atuar caso vejam acontecer algo de irregular.
Os empresários, os gestores públicos, não devem ter receio de implementar estes canais de denúncia, repare-se. Têm, sim, de assumir este tema como essencial. E explorar os melhores canais de whistleblowing para o efeito.
Por fim, acredito veementemente que merece a pena a sociedade e as empresas preocuparem-se com o bem comum e ajudarem as entidades a alcançarem indicadores positivos de integridade e transparência.