Com a anunciada segunda vaga de Covid-19 a assentar arraiais na Europa e com a esperada tomada de decisões sobre a vida económica de todos nós – declaração do estado de emergência, recolher obrigatório e restauração fechada –, cumpre afirmar que todas essas decisões podiam, e deviam, ter sido evitadas ou, pelo menos, dirimidas.
Investir 700 milhões de euros no Serviço Nacional de Saúde (SNS), previstos no último orçamento suplementar, e mais alguns milhões, poucos e tardios, neste orçamento agora aprovado, foi escasso, imprevidente e displicente.
Todos sabíamos – porque avisados – da segunda vaga e dos efeitos prejudiciais na economia que a pandemia provoca, sobretudo se obrigar a um novo confinamento. É a pandemia económica que mata tanto ou mais que a pandemia sanitária.
Ora, no Verão, o que fez o Governo? Planificou o combate à segunda vaga? Definiu uma estratégia? Reforçar as camas, contratar ou formar intensivistas e ventiladores? Recorreu ao sector de saúde privado e social? Não! À portuguesa, confiou nos sinais do Verão e numa arrogância disparatada falava-se do exemplo português no combate à pandemia.
Tudo isso me fez lembrar a fábula de La Fontaine da cigarra e da formiga: a cigarra cantou melodiosamente todo o Verão enquanto a formiga trabalhava para poupar mantimentos para sobreviver no Inverno. No Inverno, a cigarra pede ajuda à formiga que lhe responde o seguinte: se cantaste todo o Verão, dança no Inverno…
Claro que a cigarra, para enfrentar o “Inverno”, conta com os fundos europeus a fundo perdido. Mas também aqui a fábula moral deve ser aplicada, pois adivinha-se para onde vão tais fundos: mais despesa corrente, através do aumento dos ordenados da função pública, assente na progressão automática das carreiras e emprego garantido para a vida, mais obras públicas faraónicas sem prévia análise do custo-benefício e total desprezo pela vida das empresas, salvo se pertencerem à família política (normalmente sem jeito para os negócios…).
Continuamos alegremente a cantar e a dançar e o Inverno (inferno?) está aí.
Tirando raríssimas excepções, ninguém se insurge contra este discurso: a comunicação social parece, ainda, enfeitiçada com os prodígios deste Governo!
Os sectores que irão agora sofrer dessa total falta de planificação dos meios, como recorrer por contratação dos sectores privado e social pelo SNS são os sectores do turismo, o canal Horeca, hotéis e restaurantes, as nossas importantes PME. E são estes serviços, principalmente o turismo e a restauração, e as empresas industriais, que são as formigas na fábula de Esopo e La Fontaine.
Até agora, da parte do Estado, estruturalmente apenas os bancos foram ajudados. Não me choca essa ajuda pelo reconhecimento do papel de intermediação que os bancos realizam entre a poupança e o investimento. E pergunta o leitor como é que os bancos foram ajudados estruturalmente? Os 7 mil milhões de euros foram garantidos pelo Estado! E não tenhamos dúvidas que algum desse dinheiro serviu para fazer um roll-over da dívida dos clientes, substituindo dívida não garantida por dívida garantida. E quando o Inverno vier os bancos terão essa almofada do Estado. Veremos se chega.
Avisei em artigo anterior, aquando do confinamento, que a crise iria ser muito pior do que as primeiras previsões de Centeno, comparando com as previsões que já fazia o Reino Unido (país com soberania monetária e indústria relevante). E não tenhamos dúvidas que a vacina só surgirá no final do próximo ano, se vier.
Cumpria ter planeado, investido custe o que custar (utilizando as palavras do primeiro-ministro a propósito da TAP) no sector da saúde, porque a saúde da nossa economia depende da saúde sanitária. E a segunda vaga de Covid-19 está aí. Espanha comprova-o e de lá, como ensina o povo na sua imensa sabedoria, não vem nem bom vento nem bom casamento… ‘Winter is coming’!
Post scriptum: Claro que a cigarra terá direito a um subsídio e, se for agente cultural, um drink. E às formigas um imposto!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.