Na semana passada cruzei-me com o vídeo de um americano que conjeturava como explicar por que razão os portugueses são “o povo mais ansioso do mundo”. A teoria termina com algo relacionado com a emigração massiva ao longo de centenas de anos, que acabou por fazer uma seleção artificial, em que o grupo populacional mais avesso ao risco (Os Velhos do Restelo) terá ficado por terras lusas e o grupo mais aventureiro terá saído do país.

Adoro teorias fora da caixa, mas um tema tão complexo como a incidência da ansiedade numa sociedade, dificilmente terá uma relação única de causa /efeito. Não quero dissecar a teoria do autor, mas antes levantar uma questão que ainda é objeto de forte estigma social, que é a saúde mental no nosso país.

Se o leitor tiver dúvidas sobre se Portugal padece de um nível de ansiedade generalizado, infelizmente, vários indicadores atestam isso mesmo. De acordo com a SPPSMP, Portugal é o segundo país com a mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas da Europa. A ansiedade é a doença mais prevalente, afetando 16,5% da população.

Portugal também é o terceiro país do mundo com maior consumo de benzodiazepinas, sendo que o preferido dos lusitanos é o Xanax. Como tudo na vida, não existem soluções fáceis e o uso abusivo e prolongado destes medicamentos tem efeitos adversos ao nível da memória, atividade psicomotora e capacidade de concentração.

Ora, se concordam que somos ansiosos (mesmo que não sejamos o líder do pódio), o que pode originar este flagelo social? Assumindo que este problema será de natureza complexa e multivariável, vou propor adicionar um conjunto de variáveis explicativas.

O autor mencionado descartou de forma sumária a questão da precaridade económica e a solidão, mas creio que ambos têm um peso elevado na ansiedade portuguesa (e não só).

Existe uma correlação entre a incidência da ansiedade e a precaridade do trabalho. Trabalhos com salários baixos, de vínculo incerto e sem proteção adequada, aumentam a ansiedade.

Atualmente, o INE estima que 18% do total de trabalhadores por conta de outrem têm vínculos precários. Portugal perdeu 128 mil trabalhadores com curso superior em apenas um ano, mas acho que isto está mais associado às condições de trabalho do que propriamente à propensão ao risco e, consequente, nível mais baixo de ansiedade.

A ideia de que Portugal é um país com fortes laços sociais e inclusão também pode ser uma visão romântica do autor da teoria proposta. Um estudo do SNS sobre solidão em Portugal afirma que quase 10% da população entre os 50-64 anos de idade, e 26,8% dos indivíduos com mais de 85 anos sofre de solidão e isolamento social. Fatores como a pobreza, a diminuição do estado de saúde, a arquitetura residencial, a violência, entre outros, aumentam o risco de isolamento e de solidão.

Estamos piores que Espanha, Holanda, República Checa, Croácia e Áustria, ou seja, não é de todo óbvio que a solidão não contribua para a generalização da ansiedade na nossa sociedade. Assim, e não querendo ser Velho do Restelo, tomamos muito Xanax não apenas devido a uma seleção genética artificial, mas também por um conjunto de outros fatores que merecem uma análise cuidada.

Vejo a saudade como um bem cultural precioso, já a ansiedade precisa de ser erradicada. Mantemos a saudade e o futebol, mas temos de combater a ansiedade que não é um “problema português”.