Desde o primeiro mandato de Donald Trump que a China foi considerada uma ameaça estratégica para os EUA. A administração Biden manteve a retórica e adoptou um modelo proteccionista para as tecnologias críticas. Percebeu as necessidades e dores nos processos de construção dos grandes fabricantes de chips e implementou medidas de forma a coibir a venda de dispositivos e materiais essenciais na produção destes, com o objectivo de limitar as competências chinesas para produzir e comprar semicondutores, cruciais para o segmento de supercomputação e de Inteligência Artificial.

Em resposta, a líder chinesa em Telecomunicações, a Huawei, lançou um novo smartphone com um processador com um design de chips mais avançado do que o esperado pelo Ocidente (2024), demonstrando a capacidade da RPC em acompanhar a evolução desta indústria sem a “ajuda” dos grandes fabricantes norte-americanos, sul-coreanos, japoneses e neerlandeses.

Contudo, o desafio será saber se a RPC terá acesso às máquinas capazes de produzir chips avançados de uma forma competitiva em termos de custos. Com o lançamento do Pura 70 Ultra, a Huawei teve diversas avarias nos chips que estavam neste aparelho, revelando que a RPC está atrás dos seus competidores directos neste segmento desta indústria. Todavia, mesmo tendo demonstrado dependências de software e propriedade intelectual ocidentais, o trabalho desenvolvido pela Huawei intimidou as grandes tecnológicas do Ocidente.

Como temos observado ao longo das últimas décadas, percebemos que as empresas estatais chinesas continuarão a querer obter conhecimento tecnológico ocidental e, através da ajuda financeira da nova Comissão Central de Ciência e Tecnologia, a investir nas cadeias de abastecimento deste sector com o propósito de influenciar rotas e fornecedores de matérias-primas necessárias para a produção de semicondutores. Por exemplo, a Huawei ao partilhar processos de fabrico de chips das empresas taiwanesas, coloca em risco o papel dos EUA na região e no Mundo.

Embora haja dificuldade em implementar melhorias na litografia ultravioleta (EUV) nas fábricas chinesas, estas estão apenas uma geração atrás da tecnologia mais avançada do líder mundial, a ASML (que tem definido o Estado de Arte da evolução dos chips ao longo dos anos); demonstrando que estão cada vez mais autónomas face à hegemonia ocidental no que diz respeito a esta indústria.

Neste sentido, os EUA e os seus aliados têm posto em prática medidas para conter o crescimento chinês neste sector através de tarifas e restrições comerciais. No entanto, estas acções não têm sido felizes, pois a RPC está cada vez mais competitiva. O facto de a China ser o maior consumidor de dispositivos de semicondutores do Mundo, faz com que o PCC continue a investir na Pesquisa & Desenvolvimento deste segmento tecnológico de modo a ter cada vez mais mão-de-obra qualificada. A outra questão é que com estas iniciativas poderão criar uma maior desconfiança e afastar as grandes potências e stakeholders com interesse neste mercado e aumentarão as tensões de segurança na comunidade internacional.

Neste sentido, sabendo do seu atraso em relação ao desenvolvimento de produção de chips avançados e sendo uma especialista em identificar whitespaces no mercado, um dos objectivos estratégicos de Pequim será, enquanto investe nos semicondutores de ponta usados em smartphones e em sistemas de Inteligência Artificial, em dominar o mercado dos chips legacy desde a produção ao seu design (respondendo tanto às necessidades domésticas como estrangeiras). Para tal, terá de criar condições atractivas para o surgimento de startups chinesas que possam capitalizar o know-how tecnológico presente no Império do Meio. Juntamente com a mão-de-obra barata, a probabilidade de configurar linhas de produção de processadores e módulos será ainda maior, mantendo Pequim activa nesta batalha dos chips e com objectivos ambiciosos pois aumentará a sua influência a nível global.

SMIC, sendo das empresas chinesas que mais beneficia com financiamento directo da RPC, poderá tornar-se em breve o “motor” para centralizar toda a produção dos chips legacy a baixo custo, contribuindo para o domínio que Pequim procura. Assim, a China poderá bloquear processos de manutenção, decidindo não fornecer determinadas peças cruciais para indústrias chaves de qualquer país. Parece tirado de um filme de ficcção científica, mas não é. Isto é, para além das aplicações das redes sociais como o TikTok, de câmaras de vigilância como a Dahua ou Hikvison ou os drones DJI; que têm resultado numa enorme ameaça, as unidades militares chinesas poderão ter a possibilidade de entrar e influenciar sistemas operativos de diversas organizações mundiais (principalmente, nos sectores da energia, telecomunicações e transporte) tal como fizeram em 2018, ao inserir microchips nos servidores de computadores usados por empresas como a Apple e Amazon, colocando em perigo o seu funcionamento e a segurança e privacidade de todos os utilizadores.

Sabendo que não conseguirá parar o crescimento e ambição de Pequim, Washington continuará a observar de perto as acções de produção de chips na RPC e terá de garantir que tem outros fornecedores para além da China, aproveitando o apoio dos seus aliados e parceiros comerciais como a Índia e o México. Ao mesmo tempo, a Casa Branca procurará impedir a China de produzir chips de ponta, limitando a utilização deste tipo de semicondutores em aplicações de Inteligência Artificial e infraestruturas de hardware integradas com a finalidade de bloquear a utilização de chips para operações ilícitas. Desta forma, os EUA poderão exercer a sua influência na cadeia de abastecimentos de chips avançados, recriando o design destes e promovendo o investimento em software e na interoperabilidade das plataformas das organizações norte-americanas para garantir a liderança dos EUA nesta competição.

O facto de Donald Trump ter tomado decisões no passado como foi no caso da NATO, do Tratado de Paris ou em relação ao acordo nuclear com o Irão, que podem ser entendidas como uma autodestruição das instituições ou de acordos que definem alguns dos princípios da Ordem Mundial contemporânea fez com que o Presidente norte-americano ganhasse a fama de desestabilizador e incendiário; no entanto, podem também ser interpretadas como uma reestruturação do sistema, não pondo em causa o futuro global. Também é verdade que várias das medidas adotadas por Trump acabaram por criar uma enorme instabilidade política, económica e cultural por todo o globo. Porém, os EUA não deixaram de ter o papel que tinham na comunidade internacional e reforçaram a ideia de que é primordial que haja uma Mudança. Um claro exemplo disso, foram as medidas criadas pela administração de Trump em relação à China que não foram alteradas por Joe Biden.

Com Donald Trump de volta ao comando da Casa Branca, as iniciativas poderão intensificar-se. Para além de ter sempre considerado a China como uma ameaça estratégica contra os EUA; ao longo da sua campanha, Trump não poupou críticas ao Império do Meio, chegando a propor novas tarifas sobre a China; o que nos leva a entender que a relação sino-americana poderá tornar-se mais complexa. Nesse sentido, o Presidente dos EUA poderá ser capaz de cortar com produtos tecnológicos dependentes de investimento chinês e, por conseguinte, tenderá a investir na redindustrialização tecnológica com políticas que estimulem a inovação da Transformação Digital e na protecção das infraestruturas críticas norte-americanas contra-ataques cibernéticos (reformando regulamentações e legislações). E, tudo indica que Elon Musk terá um papel determinante na desburocratização destas. Logo, a pergunta que se coloca é se o dono da Tesla irá desburocratizar a Ordem Mundial com uma tecnologia disruptiva.

Dado o trabalho desenvolvido pela administração Biden (como o Chips & Science Act.) no que diz respeito à China, Trump e Musk não deverão ter grandes entraves no Congresso e poderão até contar com um apoio bipartidário. Todavia, não será do interesse de Donald Trump criar outro choque com Xi Jinping, tal como aconteceu com a Guerra Comercial. Para isso, deverá adoptar um discurso de cooperação com os seus aliados nas áreas da tecnologia, segurança e economia, criando condições que promovam o controlo das exportações de chips avançados para evitar que a China tenha acesso a tecnologias desenvolvidas pelas empresas norte-americanas. Será importante que Donald Trump destaque o papel da RPC nesta indústria, visto que esta representa mais de 30% da indústria da Transformação Digital a nível global, tornando-a uma potência importante na inovação e liderança deste sector.

Pequim está preparada para responder à estratégia e iniciativas de Trump e, portanto, estará disposta a retaliar. A grande potência asiática sabe que não sairá do mapa pois é crucial para a manufacturação mundial. Logo, quererá dominar a cadeira de abastecimentos. Os governadores chineses têm-nos habituado à sua perseverança e capacidade de gerir rapidamente as alterações políticas no Ocidente. Aproveitarão o impacto que a imprevisibilidade do Presidente dos EUA tem criado na comunidade internacional para melhorar relações com países que não sintam a presença muito assídua ou que se sintam “maltratados” por Washington.

Para o mundo que nós conhecemos, a presença da China tanto no continente africano, América Latinha como na UE (para não falar de a China ser o maior responsável pela exportação de equipamento militar à Rússia) é um sinal preocupante para a democracia que nós temos defendido e que tanto nos tem dado. No entanto, apesar de os debates ideológicos nunca terem sido uma prioridade para o Presidente dos EUA, os líderes chineses sabem que a agenda de Trump no que diz respeito a conter a RPC, não os deixará descansar. A RPC sabe que os seus maiores clientes são os EUA e a UE e que, para os manter, deverá evitar ao máximo qualquer escalada de tensões. Têm também conhecimento que as nomeações de Trump para os cargos responsáveis pela política externa são líderes que consideram a China como principal ameaça para os EUA e como tal, actuarão em prol da segurança e manutenção da hegemonia norte-americana em todo o globo.

Apesar dos chips serem uma questão económica e política, tanto Xi Jinping como Donald Trump, chegaram à conclusão que a competição tecnológica substituiu por completo a ideológica. Nesse sentido, ambos Chefes de Estados não estão muito preocupados em difundir princípios e modelos políticos. Sabem que o que definirá a hegemonia que tanto ambicionam estará presa à liderança da inovação e cadeia de abastecimentos no âmbito tecnológico.

Neste momento, Trump terá de gerir o impacto do Chips & Science Act. E, possivelmente, optar por um modelo proteccionista em conjunto com o Ocidente, aumentando a influência norte-americana na criação e produção de chips de ponta para conter o crescimento chinês. Porém, poderá obter um resultado contrário. Ao ser um plano com um risco elevado pois poderá dar azo a um conflito comercial e tecnológico, poderá contribuir para um mundo mais dividido ainda. E, tal como referido, trará a oportunidade à RPC de ganhar e fidelizar novos clientes. Portanto, outra opção que Washington terá é não ficar refém dos produtos chineses, tornando-se mais competitiva que Pequim.

Esta será uma longa batalha e crucial na corrida ao pódio da comunidade internacional. Logo, as políticas e estratégias adoptadas pelos EUA em conjunto com os seus aliados e parceiros comerciais deverão ser geridas cuidadosamente.

Com todos os seus defeitos e “fama”, com o receio sentido pelo Ocidente dos EUA colocarem o papel de Globocop de lado e com o seu discurso populista e “anti-establishment”, Donald Trump com a sua intuição política surpreendeu grande parte da imprensa internacional. Acabou por fazer soar o alarme para a necessidade de reformar e alterar o sistema das democracias. Desmitificando temas os quais não eram discutidos publicamente, questionou-os perante o eleitorado norte-americano, elites e resto do Mundo. Independentemente do estatuto que tivessem, pôs em causa a credibilidade de instituições e organizações internacionais. Desta forma, o Presidente dos EUA tem ganho a atenção dos policy makers, das instituições e dos Chefes de Estado das grandes potências.

Em primeiro lugar, o ter ameaçado financeiramente a NATO, fez com que países-membros investissem mais, o que fortaleceu ainda mais a aliança e a defesa e segurança a nível global.

Em segundo lugar, no que diz respeito à saída dos EUA do Tratado de Paris, esta poderá ser interpretada como uma tentativa da reestruturação da Ordem Mundial e não como um sinal de irresponsabilidade pois a questão de Trump foi clara. Referiu a imparcialidade das condições para cada país, afirmando que os Estados Unidos iriam ser prejudicados e outros países, como a China seriam beneficiados, mencionando que o acordo estava mais preocupado com questões económicas do que climáticas.

Neste sentido, em terceiro lugar, o Presidente Donald Trump conseguiu ser o primeiro Presidente dos EUA nos últimos 40 anos a fazer frente à China em três frentes: comercialmente, militarmente e ideologicamente, o que fez com que o PCC percebesse que estava perante um forte e real adversário. No período em que vivemos, a China pretende afirmar-se como superpotência e por incrível que pareça, caso esta consiga alcançar os seus objetivos, iremos ter resultados desastrosos e imprevisíveis que irão repercutir-se no nosso dia-a-dia, devido às suas ideologias.

De certa forma, o Presidente norte-americano avisou-nos dando início à Guerra Comercial, mas a falta de “habilidade” diplomática e o seu discurso não o ajudaram. O seu posicionamento diplomático e proteccionismo económico, fez com que muitos países quisessem ouvir Pequim na última década. Contudo, enquanto Chefe de Estado da maior potência mundial, Trump quererá manter a sua credibilidade perante a comunidade internacional pois sabe que muitos governadores vejam a sua presidência como um sinal de isolacionismo, dando a possibilidade de a China capitalizar confiança entre os aliados dos EUA. Porém, serão reformar as reformar internas que irão determinar o trajecto entre as duas potências rumo ao pódio da Ordem Mundial.

Logo, os próximos quatro anos serão decisivos na competição tecnológica entre Washigton e Pequim. A probabilidade de serem superados pela RPC no contexto tecnológico, económico e militar é cada vez maior e o facto da capacidade industrial no sector da defesa norte-americana ser inferior à chinesa é um motivo de preocupação para a nova administração da Casa Branca como para o resto do Ocidente. Ou seja, a aposta de Pequisa & Desenvolvimento, no sector da defesa e de engenharia aeroespacial (em 2021 surpreenderam o governo norte-americano com os mísseis hipersónicos nucleares) são motivos de preocupação para os países ocidentais.

Desta forma, Washington sabendo da importância da evolução tecnológica no âmbito da segurança e prosperidade económica, fará com que esteja concentrada no aumento da capacidade de produção e construção militar com o propósito de garantir o seu papel enquanto maior potência mundial e líder na inovação nesta Era Digital. Com o principal foco nos produtos e cadeias de abastecimento de tecnologia de ponta em parceria com as alianças estratégicas como a AUKUS e QUAD, os EUA continuarão empenhados e comprometidos em fortalecer a relação com o Japão e Coreia de Sul através da partilha de know-how no design dos chips avançados e das máquinas de produção destes (tecnologia a qual a China não tem).

A RPC estará preparada para retaliar para quaisquer que sejam as medidas de Trump. Desde as tarifas nos produtos chineses à escalada de tensões no estreito de Taiwan. No entanto, tanto os EUA como a RPC sabem que o risco de qualquer conflito em Taiwan, poderá criar um impacto negativo à cadeia de abastecimentos da indústria dos semicondutores devido ao papel predominante da TSMC (Taiwan Semicondutor Manufacturing Company) o que não seria positivo para ninguém.

Pequim poderá também retaliar com tarifas, impor sanções próprias, controlar grande parte da cadeia de abastecimentos através do seu controlo dos minerais (Gálio e Germânio) e condicionar empresas norte-americanas em território chinês. Ou seja, mesmo que o Ocidente quisesse, tudo aponta para que a China se torne um grande player no mercado tecnológico. Posto isto, percebemos que a RPC, procura retirar a posição dos EUA enquanto grande potência mundial e assumir o papel de portadora de standards para a globalização.

Deste modo, Donald Trump realinhará uma nova estratégia transatlântica priorizando a defesa dos países europeus e promovendo soluções às existentes dependências tecnológicas da UE face ao poderio da manufacturação chinesa. Poderemos não gostar da forma como o Presidente dos EUA comunica, ou da sua vida privada, mas o que realmente importa é a sua prudência e o resultado das medidas por si adotadas. Ainda assim, poderão os comportamentos e medidas adotados por Trump contribuir para o crescimento e desenvolvimento norte-americano? E, para a restruturação das instituições e das organizações internacionais?

Esperemos que nos próximos quatro anos tenhamos uma boa resposta para estas questões. O papel que os EUA e que as organizações internacionais desempenham diz-nos que será fundamental que se volte a entregar credibilidade a estes, mas será essencial que estes estejam mais fortalecidos e com os propósitos e princípios bem definidos. Face ao avanço tecnológico e vasta capacidade da China, demonstrando uma nova abordagem à comunidade internacional, os EUA e outros países ocidentais, provavelmente, reunirão forças para mover os centros de produção de forma a diversificarem o mercado e as “regras do jogo”.

O desenvolvimento dos sistemas de informação tem contribuído para a evolução e transformação da Era Digital e, por conseguinte, da economia internacional. A estratégia industrial de um país que pretenda manter-se no pódio das grandes potências, será dar prioridade ao investimento em tecnologia de forma a adaptar-se à constante evolução. Será crucial que os países desenvolvidos tomem iniciativas que contribuam para a inovação e modernização da manufaturação de forma a reestruturar o setor. Portanto, visto que a inovação desempenha um papel fundamental no futuro do sistema internacional, a batalha dos chips será muito renhida entre os EUA e a RPC. Isto é, o país que tiver a mais sofisticada e avançada tecnologia, terá uma maior probabilidade de se tornar uma potência mais poderosa.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.