A visão horizontal que os judeus têm da suas existência e prática religiosas concede-lhes uma interessante leitura de como se pode manter viva uma tradição, como ela se pode adequar aos tempos e nela acreditar sem as interferências do dia, sem as atualizações concedidas pelos teólogos mais afoitos.

Está claro que não deixam de se avaliar os ensinamentos de Moisés, de se entender, por hoje, os mandamentos que no Monte do Sinai fez nascer. Desde esse tempo, treze séculos antes de Jesus Cristo, que os judeus se elevam na unidade conseguida e na conquista da terra de Canaã.

A resiliência do povo judeu é uma marca de milénios. Prévia ao atual registo do calendário de Dionysius Exiguus, posterior em muitos tempos e modos, em guerras e afirmações universais, os judeus, poucos ou muitos, onde estejam, nunca deixaram de ser um povo em referência.

Serão ungidos? Consagrarão uma inteligência superior? Integrarão a capacidade para vencer todas as adversidades e delas saírem para novas conquistas? A História foi-nos dizendo que sim, até pela afirmação que consagraram na conexão com o mundo que lhes permitiu a sobrevivência durante estes anos recentes depois da independência do seu Estado.

A religião não é só abstrata referência, não é unicamente a reivindicação da presença do superior. Neste sentido, os judeus têm muito mais a ver com os islamitas, porque, neste tempo de relativismo e materialismo, se afirmam cumpridores de deveres inalienáveis.

O Shabat, como elemento cimeiro da semana, é uma marca que todos, onde estejam, cumprem sem contestação. Todos? Mas não haverá judeus não crentes? Ateus ou agnósticos em termos que os ocidentais consagraram? Há judeus que se limitam na consideração de um advir santo e divino a que todos os Homens estarão destinados, mas não excluem as práticas seculares de uma cultura e uma vivência que se confundem com essa relação com Deus. Só mesmo os apóstatas, que cederam na leitura de uma possível existência do Messias, se mostram parcialmente relegados.

A Igreja que nos marca, a de Roma, veio sendo considerada pelas diversas leituras dos Santos Evangelhos. Assim importava e importa, para que se molde o fato ao tamanho do tempo e do desejo espiritual. Acontece que a Torá vigora por impedimento de inovação, e que a Talmude é o limite de uma boa presença da mesma Torá.

É a partir do posicionamento central da Torá que se desenvolvem as famílias atuais em que se dividem os judeus do hoje. Os mais ortodoxos não cedem na imutabilidade dos ensinamentos iniciais, mesmo que se possam considerar desconexos com a ciência ou a técnica; os conservadores, que se assumem como respeitosos das práticas, mas flexíveis no seu sentido e entendimento, talvez reflexo da vida mais utilitária que os fluxos de chegados às Américas incorporaram.

Os reformistas seguem opções pela prática onde o sacrifício se não vincula, onde a língua do país de nascimento pode servir para o culto; e os humanistas, quais ecuménicos de cultura, permitem a flexibilidade desse culto em favor da pertença à família ampla.

A disseminação da prática, as realidades local e descentralizada do culto fazem do judaísmo um espaço de estudo muito estimulante. Desde logo porque não se queda em opções centralizadas, mas também porque é a forma de vida que dita a relação com o Criador.

Talvez por isso, os britânicos, enquanto potência colonial que não cedia na identificação do interlocutor válido, impuseram, na década de 1860, a existência de um rabino-chefe de Israel. Essa circunstância nunca foi reconhecida por uma parte muito significativa dos rabinos ortodoxos nos territórios ocupados ou na diáspora.

Os rabinatos centrais das comunidades judaicas ashkenazi e sefaradi assumiram tempos e opções de ordenação diferentes. O primeiro veio até agora com David Lau, destravado e provocar; o segundo é hoje personalizado por Yitzhak Yosef, líder político e partidário, influente personalidade que enquadra as relações imutáveis com palestinos.

A separação entre estes dois universos é bem mais prosaica do que pode parecer. Os primeiros fixaram-se, durante séculos, em territórios da Europa central, muitos em espaço alemão. Os segundos mais no Sul e por isso se identificam com uma designação espanhola. Acontece que, mirando depois as práticas, elas, as lideranças, são essencialmente caudilhistas, marcadas por relações de poder e de influência, tudo menos a procura do divino.

A relação de igreja e comunidade que se afirma em cada judeu pode parecer estranha aos olhos de uma marcação cristã e católica. Mas as religiões não se explicam, vivem-se e ponderam-se na consideração da decisão temporal. Talvez por isso, o mais antigo conflito permanente tarde em encontrar uma solução. Quem olha Moisés e relembra séculos de perseguições nunca fará chegar a pressa para encontrar convivência com os seguidores de Maomé.