Sempre que a terra treme em algum ponto do mundo, Rebecca Bendick sente-se dividida. Professora na Universidade de Montana nos Estados Unidos, Bendik estuda terramotos “do Montana aos Himalaias“, e portanto qualquer tremor é uma oportunidade para “saber um pouco mais sobre como a Terra funciona”. Ao mesmo tempo, esse terramoto irá causar a morte ou o sofrimento de várias pessoas, e Bendik já viu desastres de dimensão catastróficas em número suficiente para não o esquecer.
“Uma coisa que as pessoas têm esperança de encontrar”, disse Bendick ao Washington Post, “é algum tipo de indicador para a sismicidade, porque isso dar-nos-ia um aviso acerca desses eventos”. Prever um qualquer terramoto é impossível. Sabemos onde é mais provável que eles ocorram, já que sabemos quais as zonas geográficas que apresentam as falhas na crosta terrestre que os provocam, mas não há forma de saber quando um determinado terramoto terá lugar numa determinada região. No entanto, em agosto, Bendick e o seu colega da Universidade do Colorado em Boulder, Roger Bilham, publicaram um estudo em que apresentavam uma “correlação” entre uma maior frequência de terramotos num determinado período de tempo e flutuações na rotação do planeta que, sugerem, poderá permitir aos cientistas prever em que anos a frequência de terramotos tenderá a aumentar.
Segundo o Post, Bendick e Bilham estudaram o registo de terramotos ocorridos ao longo de séculos, e encontraram vários “aglomerados” de terramotos de grande magnitude de três em três décadas, e procuraram depois identificar qual o mecanismo que poderia explicar tal coincidência. A melhor hipotética explicação que encontraram residia na variação cíclica da velocidade de rotação da Terra, que de trinta em trinta anos desacelera (muito ligeiramente). Ao fazê-lo, muda a sua forma, com a massa terrestre a deslocar-se para os pólos (quando acelera, move-se para a Linha do Equador), e o efeito cumulativo dessas minúsculas alterações pode “armazenar” uma quantidade suficiente de energia nas falhas geológicas que provocam os terramotos para provocar termores de grande magnitude numa quantidade maior ao fim de um certo período de tempo (os tais cerca de trinta anos de que Bendick e Bilham falam). Ao que parece, esse ciclo de cerca de trinta anos chega ao fim em 2018, havendo assim a possibilidade do próximo ano vir a trazer consigo um aumento do número de terramotos de grande magnitude.
De acordo com o Post, vários dos colegas de Bendick e Bilham não se mostraram convencidos pela teoria avançada por eles, ora notando que “correlação não é causa” ou frisando a necessidade de testar a sua validade. Isso não impediu, no entanto, que surgissem na comunicação social várias notícias dando como verdadeira e certa a hipótese avançada pelos dois cientistas. O The Guardian, por exemplo, a 18 de novembro, noticiava que um “surto de grandes terramotos foi previsto para 2018 à medida que a rotação da Terra desacelera”. E o site americano Quartz, por sua vez, avisava os seus leitores para se “prepararem”, porque “2018 vai sofrer um grande número de grandes terramotos”.
Esta disparidade entre o conteúdo prudente do estudo apresentado por Bendick e Bilham e a sua cobertura noticiosa mais sensacionalista é sintomática dos problemas inerentes ao jornalismo sobre ciência nos dias de hoje, e até da forma como as nossas sociedades olham para a ciência.
Em maio passado, o comediante da HBO John Oliver dedicou um episódio do seu programa Last Week Tonight à forma como vários estudos científicos são apresentados na televisão, na internet ou nos jornais. “Há tantos estudos por aí”, disse Oliver, “que até já se contradizem uns aos outros”, e “a partir de um certo ponto, toda essa informação faz-nos pensar se ‘a ciência será uma treta’, sendo que a resposta é claramente ‘não’, mas há muita treta mascarada de ciência”.
Oliver prosseguiu, sugerindo algumas razões para a situação que acabara de descrever. O problema começa, argumentava Oliver, na pressão sentida pelos cientistas para publicarem artigos em revistas acreditadas, e para isso ter estudos com resultados que chamem a atenção. Em muitos casos, notou, isso levava até os cientistas a manipularem os resultados dos seus estudos para conseguir apresentar conclusões chamativas, se bem que pouco credíveis. Como os estudos de replicação, essenciais para testar a validade de uma teoria, são pouco publicados, reclamava Oliver, a qualidade dos estudos que o são acaba por não ser testada. Quando chegam à comunicação social, esta toma por verdades incoestáveis conclusões provisórias e meras hipóteses (por vezes obtidas de forma duvidosa), ou pelo menos apresenta-as como tal.
“Em ciência, a boa informação é pouco entusiasmante”, disse à The Atlantic Kelly McBride, vice-presidente do Poynter Institute. “A ciência não salta para a frente da forma que os jornalistas gostam de a cobrir”. As universidades e os seus departamentos de relações públicas, nota McBride, emitem comunicados que apresentam os estudos da forma o mais chamativa possível, na esperança de captar a atenção dos jornalistas, que depois os reproduzem da mesma forma para captar a atenção dos leitores. Pelo meio, a qualidade da pesquisa ou o grau de incerteza das hipóteses avançadas não é muitas vezes tida em consideração por nenhuma das partes envolvidas. É assim, notava Oliver, que acabamos com programas televisivos a dizerem que um estudo chegou à conclusão de que um copo de vinho equivale a uma hora no ginásio, e é com notícias dessas que passamos a descrer na credibilidade da ciência.
“A ciência é um empreendimento nobre, mas também um empreendimento de reduzida recompensa”, disse à The Atlantic John Ioannidis, um “meta-investigador” que se dedica a estudar a credibilidade da pesquisa médica. Não podemos esperar que todos os estudos realizados por todos os cientistas estejam certos, e devemos aceitar que muitos deles estão errados, uns por má-fé outros apenas por que a hipótese avançada acabará por não ser confirmada por estudos posteriores feitos por outros cientistas. De cada vez que lêmos uma notícia sobre um estudo científico, devemos ter presente a ideia de que quando apresenta uma teoria, um cientista não está a fazer mais do que isso: a apresentar uma possível explicação para algo, não uma certeza.
Bendick não o esqueceu. “Alguém diz algo mais ou menos extravagante, toda a gente testa o seu trabalho e é assim que a ciência progride”, afirmou ao Post. O estudo que fez com Bilham era, não uma previsão conclusiva de que 2018 será marcado por uma enorme quantidade de terramotos de grande magnitude, mas apenas mais um degrau nesse lento progresso científico. “Acho que este estudo poderá inspirar muitas pessoas a olhar para este padrão”, diz Bendick, “e possivelmente alguém vai aparecer com uma explicação ainda melhor.”
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