A Mazars, firma de auditoria e consultoria de origem francesa, é o principal player neste mercado para além das chamadas Big Four (Deloitte, EY, PwC e KPMG). À frente da Mazars Portugal desde 2015, Luís Gaspar lidera uma equipa de 150 pessoas distribuídas por três escritórios. Em entrevista ao Jornal Económico, fala dos desafios da Mazars e da sua visão sobre o sector.
Quais são os objetivos da Mazars para 2018?
A Mazars é a nível uma auditora [presente em 102 países, 86 dos quais pertencem ao partnership integrado e 16 pertencem à rede de países correspondentes], que presta um conjunto de serviços especializados em auditoria, contabilidade, assessoria fiscal e consultoria. O projeto internacional da Mazars começou em 1995, portanto tem pouco mais de 20 anos, quando comparado com os principais ‘players’. Começou nesse ano de 1995 com 100 milhões de euros de faturação e, desde então, tem vindo a evoluir. O volume de negócios em 2015 era de 1,2 mil milhões. O objetivo para 2020 é passar para um mínimo a 2,2 mil milhões. Este crescimento significa crescer em média dois dígitos todos os anos. Estamos dentro daquilo que foi definido pelo plano estratégico. Queremos ganhar uma maior dimensão e ter presença em todos os países relevantes para termos uma oferta global. Para trabalharmos num mercado mundial, cada vez que um cliente nosso faz um investimento, temos de estar presentes nessa geografia e ter competências para dar resposta à necessidade dos clientes.
E em Portugal?
Prestamos exatamente os mesmos serviços. Temos um escritório em Lisboa, outro no Porto e outro em Leiria. O nosso objetivo é acompanharmos este plano estratégico. Por exemplo, para este exercício que está em curso (o nosso ano fiscal é de setembro a agosto) temos um objetivo de crescimento de 11%. Portanto queremos manter este crescimento de dois dígitos. Estamos a falar de crescimento orgânico. É evidente que estes processos de crescimento, quer aqui quer no grupo, não se fazem exclusivamente de crescimento orgânico. Não colocamos de parte a possibilidade de fazer alguma operação de crescimento externo, se encontrarmos alguém que possa ser integrado na Mazars, que tenha obviamente o nosso ADN e que possa ser integrado. Os nossos principais clientes em Portugal são as PME. Temos clientes nos vários setores de atividade: na banca, nos seguros, nos fundos de investimento, serviços e indústria. E também em grupos portugueses de média dimensão e num conjunto de filiais de grupos estrangeiros. Queremos cada vez mais chegar a todo o tipo de clientes, inclusive aos maiores.
Que serviços é que eles procuram?
Os clientes procuram sempre o serviço integrado com as várias linhas de negócio. Como nós somos auditores há um conjunto de serviços que não podemos prestar. Se os clientes forem entidade de interesse público, essa limitação é maior. Se estivermos a falar de outros a limitação é menor. Sempre que somos auditores e para podermos aceitar um serviço integrado temos de ter um conjunto de preocupações e há coisas que não podemos fazer.
É fácil gerir essas limitações?
Junto do cliente nunca é fácil porque o cliente procura alguém que lhe forneça uma solução. Mas isso não é negociável, não podemos abdicar disso. Temos de gerir essa relação com o cliente, no sentido de lhe fornecer o que podemos.
A nível mundial, como gerem a relação com os vários escritórios?
Na Mazars quando dizemos que somos integrados somos realmente integrados. Nós, sócios internacionais da Mazars em Portugal, somos sócios de uma entidade, a partir da qual emana depois tudo o que tem a ver com a organização do grupo. Partilhamos um bocadinho de tudo: uma universidade comum, acompanhamento e controlo, formação ou interesses financeiros. Dada a nossa experiência de trabalharmos internacionalmente em várias geografias, com outras entidades, auditoras e consultoras, há muitos anos que podemos gerir missões com intervenções noutros países sem que isso coloque em causa a autoridade dos sócios da Mazars que estão nesses países à frente dos negócios.
Na sua opinião, Portugal está no caminho do crescimento económico?
Eu espero que sim, que estejamos no caminho do crescimento económico. Nós auditores e consultores, que andamos todos os dias nas empresas, não vemos ao nível da economia grandes mudanças. As empresas com capacidade exportadora viraram-se para determinados mercados naturais (Angola, Moçambique ou Brasil). Alguns destes mercados sofreram aquilo que nós sabemos, sobretudo Angola e Brasil, o que fez com que essas exportações se tornassem mais difíceis. Agora é verdade que a confiança aumento e esperemos que isso vá contribuir para o crescimento económico que todos queremos.
E os empresários portugueses estão mais confiantes?
Eu diria que sim, porque esta confiança é transversal. Da mesma forma que passamos do 8 para o 80 e do Fado para a euforia, a maior parte deles está confiante de que há muita coisa para fazer. O mercado português é pequeno, reduziu muito a capacidade de compra nos últimos anos, mas pelo menos existe mais confiança. Com a dimensão do nosso mercado é inevitável virarmos para o exterior, se queremos ter empresas competitivas e procurar a melhor via para a internacionalização. Mas isso nem sempre é fácil. Depende do produto, do setor e do serviço. É preciso encontrar a melhor via para otimizar aquilo que temos. Mas também temos revelado competências em muitas áreas, por vezes em nichosou em áreas tecnológicas. É reconhecido a Portugal e aos portugueses capacidades que, se calhar, há uns anos nem nós acreditámos que tínhamos. Agora é uma questão de colocarmos isso no mercado e dinamizarmos o que fazem as nossas empresas.
Devemos virar-nos para que mercados?
A China e Índia são sempre mercados alvo, sobretudo quando a capacidade e o poder de compra começa a aumentar. Há setores de atividade, por exemplo na agro-indústria, onde isso se verifica. Felizmente, os empresários portugueses começam a ter mais capacidade de procurar os mercados em função do produto que têm ou do serviço que podem oferecer.
Os serviços financeiros constituem um enorme desafio?
Já trabalhamos na banca, nos seguros e nos fundos, onde somos um dos principais ‘players’ do mercado. A nossa estratégia na área financeira é desenvolver e crescer. Temos condição para prestar serviço a essas entidades aproveitando o ‘know how’ global e vamos aumentando as nossas competências.
Com olha para a Europa e para o Brexit?
Primeiro vamos ver se há Brexit ou não. Os desafios hoje na Europa são algumas desigualdades que existem entre países. Nós estamos a tentar ter uma Europa unida, com um mercado comum, países muito fortes e depois outros que ainda têm planos de desenvolvimento importantes para levar a cabo. O Reino Unido equilibra a balança na relação com a Alemanha e se houver Brexit isso poderá complicar um pouco. A Europa tem um trabalho grande a fazer, procurar um equilíbrio que não é fácil. Vamos ver como será o papel de Portugal.
O que é a Plataforma de Comparação – Preços de Transferência?
O Grupo vai fazendo estudos sobre determinados setores de atividade. Fizemos sobre bens de luxo, indústria automóvel ou media. Em relação aos Preços de Transferência, o principal centro de competência é em Budapeste. O que a Mazars está a fazer é procurar ter centros de competência e a partir daí emana tudo o que tem a ver com a preparação, formação e organização conjunta numa área importante como esta. Sobre os Preços de Transferência, obviamente a administração tributária vai estar preocupada em que o que é gerado em Portugal seja tributado em Portugal. É uma área importante para as empresas.
Como avalia as operações de M&A, ‘due diligence’ ou avaliações de negócios em Portugal?
Há mais investidores à procura de oportunidades em Portugal. A procura desses serviços tem aumentado substancialmente. São investidores essencialmente da Europa, mas começamos a ter alguns da Ásia. Essas oportunidades são de PME e de todos os setores: Serviços, Indústria ou Financeiro.
O OE para 2018 é bom para as empresas portuguesas?
Nós temos que ser cada vez mais competitivos e esse Orçamento procura ir no caminho dessa competitividade. Se é ou não suficiente vamos avaliar. Para já os investidores estão a chegar, a procurar negócio e não é só de imobiliário. Os OE têm de alguma forma dificultado a chegada de investimento estrangeiro. Veremos se este é um OE para inverter essa tendência. A carga fiscal é relativamente pesada, mas também existem alguns incentivos que têm trazido investidores para Portugal.
Qual o impacto que as novas regras de auditoria tiveram no sector? Há mais concorrência? As ‘big four’ viram o seu poder ameaçado?
A recente reforma da auditoria surge na sequência da crise financeira de 2008 e tinha como principais objetivos melhorar a qualidade da auditoria e a independência dos auditores, aumentando a diversificação no mercado. O impacto das novas regras no mercado nacional tem sido, até ao momento, limitado, até pela forma como a diretiva foi transposta, deixando de fora a opção da auditoria conjunta. Uma opção que consideramos, essa sim, teria um potencial de impacto considerável nos objetivos da nova regulação. Em Portugal, a reforma da auditoria assentou, basicamente, na obrigatoriedade da rotação dos auditores, após um período de oito ou nove anos, e essa é uma questão que nem sequer é completamente nova porque já existia a obrigatoriedade de rotação de sócios ao fim de sete anos. Foram também estreitados os limites à prestação de serviços distintos de auditoria que já existiam antes, visando a maior independência dos auditores. Portanto, na prática, não mudou muita coisa. O mercado de auditoria em Portugal no que respeita aos clientes de maior dimensão, continua a ser uma dança de cadeiras onde existem quatro cadeiras e quatro dançarinos. Seria realmente bom para o mercado que existisse uma maior diversificação de players, e de players de maior dimensão.
Devia ter sido implementada a regra de auditoria por duas entidades, para aumentar a concorrência?
A opção de auditoria conjunta – e friso, opção – foi, no nosso entendimento, a grande oportunidade perdida com a transposição da diretiva para o mercado nacional. Não só devido ao potencial efeito ao nível do aumento da concorrência mas da própria qualidade do trabalho produzido, desde logo porque quatro olhos veem melhor do que dois. Opção não é obrigação. Já nos moldes em que a transposição foi feita, uma empresa portuguesa que queira ter a iniciativa de nomear um segundo revisor oficial de contas, simplesmente não pode, porque o enquadramento regulatório em Portugal não o permite. Recorde-se que a própria Comissão Europeia reconhece, no texto legislativo, que a nomeação de duas sociedades de revisores oficiais de contas reforça o ceticismo profissional, a nossa capacidade de questionar, e contribui para a qualidade da auditoria. E diz mesmo que as entidades de interesse público – estamos a falar essencialmente de entidades do setor financeiro, de todas as cotadas ou que tenham valores mobiliários cotados, por exemplo – poderiam ser incentivadas a nomear mais do que um auditor.
Além disso, num mercado já muito concentrado, caso um dos maiores players do sector opte por abandonar a auditoria – dada a limitação que existe entre os serviços de auditoria e não auditoria que podem prestar a uma mesma entidade – isso teria um efeito muito nocivo para o mercado. E portanto é preciso acautelar estas questões. Em França, o modelo de auditoria conjunta existe há muitos anos e tem contribuído, sem dúvida, para criar um mercado mais concorrencial, o que favorece obviamente o desenvolvimento de competências e a qualidade da auditoria. O legislador nacional terá a oportunidade de rever esta norma dentro de pouco mais de um ano e esperamos que, nessa altura, pese devidamente os benefícios desta opção.
Vão reforçar a equipa em 2018?
Temos vindo a fazer uma forte aposta no reforço da equipa nos últimos meses. Passámos de cerca de 120 colaboradores em Agosto para perto de 150 no final do ano e temos ainda processos de recrutamento em curso. Este é um reflexo do crescimento da Mazars em Portugal, em linha aliás com o que tem sido a dinâmica internacional do grupo. Temos crescido na ordem dos dois dígitos e estimamos um crescimento do volume de negócios de 11% para o atual exercício e que se vai consolidar com os recentes investimentos nas diferentes áreas de negócio. A Mazars nasce como auditora, e este é ainda o serviço com maior ponderação na nossa faturação, mas que tem vindo a perder peso em função do investimento na diversificação de outras linhas de negócio. Em Portugal fizemos recentemente uma forte aposta em áreas de consultoria financeira, nomeadamente a fiscal e contamos continuar a crescer em todas as linhas de negócio. Não excluímos também a possibilidade de avançarmos com potenciais integrações, dentro do mesmo setor, ou de serviços que complementem a nossa oferta. Portanto, o nosso objetivo é continuar a crescer, adaptarmo-nos às crescentes exigências da profissão e sermos reconhecidos pelo mercado. E esse reconhecimento tem existido. Temos demonstrado capacidade e competência. É um caminho que se faz, é um ciclo de investimento em que estamos a entrar, apostando nas diferentes áreas de negócio que nos trazem também visibilidade e reconhecimento, esperando vir a ter o devido retorno.
Entrevista publicada na íntegra edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão
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