O Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) é uma associação privada que tem como objetivo a difusão das boas práticas do governo societário, que considera um “instrumento incontornável para a eficiência económica, o crescimento sustentável e a estabilidade financeira”. Trata-se de um exemplo de autorregulação, aliás corporizada na entrada em vigor do código do IPCG, que substitui o de governo das sociedades – depois de um acordo do instituto com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e de um trabalho desenvolvido por estas duas entidades e pela Associação de Empresas Emitentes –, que marcam uma mudança de paradigma, de um de regulador para outro de autorregulação, nas boas práticas de gestão das empresas cotadas. Em entrevista ao Jornal Económico, Manuel Maria Agria, vice-presidente executivo do IPCG diz que as empresas têm feito um esforço grande de adaptação e de contribuição para combater a desconfiança em que os mercados se viram imersos. “A informação fidedigna é uma exigência dos mercados e dos stakeholders”, afirma Manuel Maria Agria, considerando que os auditores desempenham um papel fundamental no quadro do mercado. Percebemos que há trabalho a fazer e lemos a crítica sobre o enquadramento que os agentes do mercado enfrentam – “desde logo, pela volatilidade do nosso quadro legal, resultante, em larga medida, do número e volume e iniciativas legislativas, nacionais e europeias, que todos os dias são anunciadas, e pela diversidade de padrões contabilísticos existentes, que tornam difícil a leitura dos reportes financeiros”. Mas afirma que o que os reguladores e, especialmente, o que as empresas têm feito, fazem com que “a envolvente atual é mais propícia à garantia da qualidade da informação disponibilizada”.
Que papel tem a auditoria externa nas relações entre os agentes do mercado?
É uma evidência que não sofre contestação o papel incontornável da auditoria externa na geração da confiança entre os diferentes stakeholders, sem a qual os mercados perderiam muito da sua eficiência.
O auditor, na sua função de principal interlocutor do órgão de fiscalização da sociedade, será o garante da verificação da aplicação das políticas e do correto funcionamento dos mecanismos de controlo interno e do reporte de quaisquer disfunções de que se aperceba no exercício da sua missão.
A qualidade da informação é um elemento fundamental para o bom funcionamento do mercado. A envolvente atual garante essa qualidade?
A informação fidedigna é uma exigência dos mercados e dos stakeholders. Não obstante, a verdade é que existem falhas e que uma das mais negativas no funcionamento dos mercados é a assimetria da informação. Para colmatar esta situação, é importante o papel dos reguladores, mas são conhecidas as dificuldades com que, frequentemente, estes se deparam na sua missão, por múltiplas razões. A começar, desde logo, pela volatilidade do nosso quadro legal, resultante, em larga medida, do número e volume e iniciativas legislativas, nacionais e europeias, que todos os dias são anunciadas, e pela diversidade de padrões contabilísticos existentes, que tornam difícil a leitura dos reportes financeiros.
É inquestionável que a envolvente atual é mais propícia à garantia da qualidade da informação disponibilizada, não sem que se aponte que muito deste esforço tem cabido às sociedades cotadas, que se vêm assoberbadas de medidas regulatórias que obrigam a exigências de estrutura desproporcionadas para os recursos disponíveis.
Considera que a confiança na qualidade da informação prestada pelos agentes do mercado foi já restabelecida, depois da crise?
Uma das preocupações dos legisladores, a nível global, após a crise que eclodiu na segunda metade da década passada, foi restabelecer a confiança dos agentes no mercado. Pode afirmar-se que os resultados têm sido positivos, mesmo que, em múltiplas situações, sem ter sido feita previamente e como se impunha uma avaliação de custo-benefício.
Existe margem para uma melhoria da auditoria em Portugal. Em que aspetos?
A atividade de auditoria tem conhecido entre nós e nos anos recentes, mais concretamente em 2015, uma profunda renovação do seu enquadramento legal, traduzindo a determinação do legislador de adaptar o regime jurídico nacional à legislação europeia aprovada em 2014 e que visava reforçar a integridade, independência, objetividade, responsabilidade, transparência e fiabilidade dos auditores no exercício das suas funções. Estou concretamente a falar do Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria e do Estatuto das Ordens dos Revisores Oficiais de Contas, ambos a entrarem em vigor em 1 de Janeiro de 2016.
Com este novo enquadramento, pretende o legislador melhorar o exercício da atividade de auditoria, sendo certo que, como antes referido, alguns aspetos terem merecido contestação por parte dos agentes destinatários. Apenas a título de exemplo, podemos invocar a imposição legal aplicável aos serviços distintos de auditoria agora estatuída em substituição da anterior recomendação.
Quais são os grandes desafios que atualmente se colocam aos stakeholders das empresas?
Num contexto de tão rápidas e profundas mudanças a todos os níveis, são inúmeros e complexos os desafios que se colocam aos stakeholders das empresas. E uma das mais preocupantes é, sem dúvida, ao nível da compliance, confrontada com exigências de toda a ordem, que tornam muito problemática, em particular para as sociedades de menor dimensão, a sua acomodação, no seu dia-a-dia. Assoberbados com a sustentabilidade do seu negócio, determinados a acrescentar valor aos seus stakeholders e preocupados com a rentabilidade das operações numa economia global crescentemente mais competitiva, os empresários vêem-se a braços com desafios de enorme exigência a obrigarem a uma atenção muito particular no desenho do governo das suas organizações e a uma muito cuidada avaliação do risco das decisões que tomam.
Quais os principais projectos em que o IPCG está atualmente envolvido?
O IPCG está atualmente envolvido em atividades que visam melhorar o clima do corporate governance em Portugal, procurando criar uma envolvente que obvie ao ressurgimento de novos focos de perturbação, como os que todos estamos recordados e que eclodiram nos últimos quatro anos e provocaram danos nos mercados ainda hoje não revertidos.
Para tal, identificou dois domínios: a formação, em particular para os titulares de cargos societários, com especial incidência nos não executivos; a implementação de um Código de Governo das Sociedades assente no modelo de autoregulação e o acompanhamento de sua tradução no terreno como veículo de melhoria global daquele clima que antes assinalámos, promovendo a adopção das boas práticas e de comportamentos eticamente irrepreensíveis no governo das sociedades.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com